O efeito “barrigudinha”
Vendida a preços módicos, cachaça do tipo "barrigudinha" provoca dependência grave, é destrutiva e tem sido utilizada para atrair moradores de rua a drogas mais pesadas
Uma volta pelo centro da capital paulista é suficiente para perceber como a “barrigudinha” (cachaça embalada em garrafas plásticas redondas de até meio litro, vendida em quase todos os mercados e botecos por pouco mais de R$ 1) faz sucesso entre os moradores de rua e demais pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Seja para fugir da realidade das ruas, seja para esquentar durante o inverno, os consumidores buscam a pinga regularmente. “Eu compro todos os dias. Ela é mais barata do que as outras, fácil de carregar e mais forte. É bom porque a gente fica bêbado mais rápido. Agora no inverno, não existe coisa melhor pra esquentar”, afirma Videgar do Espírito Santo Neto, de 26 anos, que morou por 3 meses na rua e atualmente vive na casa de um amigo.
“A ‘barrigudinha’ foi a maneira encontrada pelos mafiosos para atrair o morador de rua a drogas mais pesadas. Além disso, usuários de crack usam a pinga para controlar a paranoia depois de usar a droga, o que acaba agravando seu quadro de dependência, sem falar das consequências à saúde”, destaca Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo. O consumo de bebida alcoólica entre os moradores de rua é alto. Cerca de 65% deles se declaram usuários, segundo levantamento da Prefeitura de São Paulo.
Os especialistas concordam que destilados, como as cachaças, por exemplo, têm um potencial destrutivo e de dependência muito maior do que outros tipos de bebidas. “O álcool tem capacidade de romper qualquer barreira e circular muito bem por todo o corpo. O uso constante desse tipo de substância provoca danos significativos à saúde, principalmente, entre as pessoas com o organismo mais debilitado, como é o caso dos moradores de rua”, explica Carlos Salgado, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).
O ex-morador de rua Neto, que contou à Folha Universal ter bebido mais de dois litros de “barrigudinha” em um só dia, já sente as consequências do consumo excessivo. “Olha como eu tremo”, diz o jovem mostrando as duas mãos.
Clandestinas
Se as cachaças vendidas nos supermercados, com o selo do Ministério da Agricultura e da Receita Federal, já são extremamente prejudiciais, o estrago que uma bebida fabricada clandestinamente pode fazer é ainda maior. “É muito comum aqui em São Paulo a venda dessas bebidas feitas artesanalmente. É terrível, os produtores colocam de tudo, mas o preço atrai bastante: R$ 0,50”, denuncia Anderson Lopes, ex-morador de rua e membro do Movimento Nacional da População de Rua. Ele diz que também já experimentou a “barrigudinha”. “É muito forte. Dá muita dor de cabeça depois que passa o efeito. Me sentia muito mal, parecia que tinha levado uma surra”, afirma o ativista.
Segundo o último relatório sobre álcool e saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), quase um terço do consumo mundial de etanol (28,6%) corresponde a bebidas produzidas ou vendidas ilegalmente, de fabricação caseira ou não registradas nos órgãos de controle governamental. “Essas bebidas podem expor o indivíduo a maior risco de efeitos negativos à saúde pela presença de outras substâncias desconhecidas e potencialmente perigosas ou contaminantes, como o metanol ou chumbo”, avalia Camila Magalhães Silveira, psiquiatra e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). As consequências podem ir desde coma alcoólico e intoxicação até hemorragia intestinal.
Campanhas informativas sobre os efeitos do álcool, melhoria na fiscalização da produção e da venda e até medidas para aumentar o preço e, desta forma, desestimular o consumo, estão entre as soluções que têm sido debatidas por quem estuda o assunto. “A saída seria restringir o número de postos de venda e aumentar a fiscalização para que menores de idade e indivíduos subnutridos ou embriagados não tenham acesso ao álcool. Quanto menor o controle, pior para quem consome. Temos hoje no Brasil mais de 1 milhão de postos de venda de bebida alcoólica. Desse total, apenas 30% são controlados”, diz Salgado.
Deveria se proibido o consumo, do mesmo jeito que é proibido o uso das drogas.
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