Casos recentes nos Estados Unidos e no Brasil escancaram a dura realidade de crianças que são brutalmente agredidas por quem deveria zelar por elas
Talita Boros
talita.boros@folhauniversal.com.br
Elas são chocantes e entristecedoras, mas mesmo assim não param de aparecer nos noticiários. Cenas e casos cruéis de pais, mães e babás que espancam crianças que deveriam proteger são recorrentes no Brasil e no mundo. Além da dor física, a violência doméstica compromete o desenvolvimento pessoal e traz consequências psicológicas graves às crianças e adolescentes. Segundo alguns especialistas, as vítimas podem até se tornar adultos agressivos.
Na semana passada, autoridades do estado de Indiana, nos Estados Unidos, divulgaram cartas do menino Christian Choate, de 13 anos – encontrado morto no mês passado –, em que ele descreve o abuso que sofreu dentro de casa e como vivia trancado em uma jaula de cachorro. Christian teria morrido em 2009, após ter sido espancado e ter sofrido uma fratura no crânio, segundo a autópsia. Seu corpo foi encontrado coberto de cimento em uma cova rasa, depois que a polícia recebeu uma denúncia. O pai e a madrasta de Christian foram acusados de uma série de crimes relacionados à morte do menino.
De acordo com levantamento do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (Lacri/USP) mais de 49 mil casos de violência física contra crianças foram notificados às autoridades no Brasil entre 1996 e 2007. “Estudos recentes apontam que cerca de 63% das crianças que vivem nas ruas fugiram de casa porque eram vítimas da violência praticada pelos próprios pais”, aponta o neuropediatra Saul Cypel, consultor da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que trabalha para a disseminação de conhecimento sobre o desenvolvimento infantil. Segundo ele, a criança que sofreu violência não se estrutura para enfrentar os desafios do dia a dia. “Ela começa a reagir de forma impulsiva e tem mais chance de se tornar um adulto com alta agressividade, dificuldade de lidar com situações complexas e com outras pessoas”, afirma.
Mas como coibir essa prática? Itamar Gonçalves, coordenador de projetos da organização não governamental Childhood, que atende crianças e famílias em situação de violência, afirma que escuta com frequência a afirmativa ‘aprendi apanhando e agora é assim que eu ensino meus filhos’. “É muito comum isso. Falta informação para as pessoas. Para acabar com essa prática, precisamos trabalhar com prevenção à violência dentro das próprias famílias”, destaca. Para ele, assim como para os outros especialistas, a assistência psicológica é essencial para tratar as crianças que sofreram agressões. “Ela precisa entender que aquele processo a que foi submetida não é natural. Não dá para dizer que, com o acompanhamento, o trauma será apagado, mas a criança pode criar um distanciamento saudável do ocorrido”, explica.
No Brasil, em um caso recente, um lavrador foi flagrado agredindo os próprios filhos, de 7 e 8 anos, com pontapés, em Registro, no Vale do Ribeira, em São Paulo. O espancamento foi filmado pelo outro filho do lavrador, de 17 anos. Ele entregou o vídeo a um tio, que levou para a polícia. A avó dos meninos alegou que o pai deles, que está preso, é alcoólatra.
Mas não são apenas os pais ou parentes os agressores em potencial. Muitas vezes, quem é pago para cuidar das crianças torna-se um vilão do lar. No começo do mês, um vídeo mostrou uma babá agredindo o bebê de 7 meses que cuidava, em Andradina, interior de São Paulo. Ao ser interrogada pela polícia, Neusa Berenguel, de 58 anos, confessou que bateu na criança e alegou que estava em depressão. Ela disse que na época estava sem os remédios para tratar a doença. Neusa chegou a ser presa, mas agora aguarda julgamento em liberdade.
Viviane Nogueira de Azevedo Guerra, pesquisadora do Lacri e autora de 11 livros sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes, explica que nem todas as vítimas de agressão serão adultos violentos. “Tudo depende da presença de uma pessoa afetiva, que a proteja e ampare. Muitas vezes este papel é representado por algum amigo da família, madrinha ou padrinho, tio ou tia”, afirma.
Segundo Viviane, a psicanalista suíço-alemã Alice Miller analisou a biografia de grandes tiranos da humanidade, como o líder da Alemanha Nazista, Adolf Hitler, e de artistas, como o poeta Paul Celan, que foram barbaramente espancados na infância, mas tiveram uma vida adulta totalmente diferente. O fator decisivo foi ter um apoio. “É preciso analisar também o contexto sociocultural que permitiu a essas pessoas se tornar o que se tornaram”, diz.
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