Por quê?
Fanatismo, intolerância religiosa, racismo e preconceito. Como entender o delírio que levou norueguês a matar mais de 70 de pessoas em 1 dia
Gisele Brito e Kátia Mello
redacao@folhauniversal.com.br
A Noruega tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano do mundo: 0.938, em uma escala que vai de 0 a 1. Tem, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), índices de criminalidade baixíssimos. Em 2010, foram 34 roubos para cada 100 mil habitantes e 6 homicídios para cada 1 milhão. O país tem sediado organizações não governamentais e associações importantes na construção de mecanismos para estabelecer a paz mundial e reduzir os índices de violência globais, tais como a Iniciativa Norueguesa sobre Transferências de Armas Leves (Nisat, da sigla em inglês).
Foi em Oslo, capital deste país considerado pacífico, que, às 15h20 da sexta-feira (22), um carro-bomba explodiu em frente ao prédio de 17 andares onde funciona o gabinete do primeiro-ministro do governo Jens Stoltenberg. Oito pessoas morreram e dezenas ficaram feridas. Foi o suficiente para que toda força policial e de emergência da capital, uma cidade com pouco mais de 500 mil habitantes, fosse direcionada para o local a fim de tentar evitar mais explosões, encontrar os responsáveis e ajudar os feridos.
Enquanto isso, numa balsa rumo à ilha de Utoya, seguia o autor da explosão, Anders Behring Breivik. O norueguês de 32 anos aportou às 17h na ilha vestido de policial e seguiu direto à colônia de férias da juventude do Partido Trabalhista. Lá, fez um teatro para ganhar a confiança dos adolescentes e em alguns minutos alvejou 68 vítimas. O policial que fazia a segurança também foi morto. Breivik se entregou à polícia sem resistir às 18h30 no local em que cometeu o massacre.
Nos dias posteriores ao atentado, peças do quebra-cabeça que compõem esse cenário de terror começam a se juntar. Um manifesto com mais de 1,5 mil páginas contra a “islamização da Europa” e o “marxismo cultural”, chamado “2083: A Declaração Europeia de Independência”, publicado na internet horas antes dos atentados, evidenciaram sua posição política de extrema-direita e de intolerância religiosa. Católico, ele se denominava da “Ordem dos Cavaleiros Templários”, os fanáticos da época das Cruzadas que promoveram verdadeiros massacres a pretexto de difundir a religião.
As mensagens também deixaram evidente um forte sentimento xenófobo, ou seja, de ódio contra estrangeiros. No seu delírio, Breivik defendeu “o uso do terrorismo como meio de despertar as massas” e declarou esperar ser sempre lembrado “como o maior monstro nazista desde a Segunda Guerra Mundial”.
O crime, que vinha sendo planejado desde o final de 2009, visava matar 5 mil pessoas. “Não existe outra explicação para esse tipo de atitude a não ser um estado mental alterado, seja por um distúrbio psicológico, seja pelo fanatismo”, afirma a psicóloga Marlene J. de Alcântara, doutora pela Universidade de São Paulo.
“Crimes deste tipo visam chamar a atenção para a causa do grupo terrorista e quase sempre terminam em suicídio. Não existe padrão psicológico no perfil destes homens e são várias as classificações de seus crimes”, complementa o psiquiatra forense Daniel Martins de Barros. Ataques como o ocorrido têm sido temas de estudos e de livros como o “Assassinato Extremo: Entendendo os Assassinatos em Série e em Massa” (escrito em inglês e sem tradução para o português ainda).
Na obra escrita pelos sociólogos criminalistas James Alan Fox e Jack Levin em 2005, nos Estados Unidos, são apontados três tipos de vingança motivacionais para assassinos em massa: a “específica”, em que as vítimas escolhidas seriam parte “culpadas” pelo sofrimento do terrorista, como é o caso dos estudantes atiradores do Instituto Columbine, ocorrido em 1999 nos Estados Unidos; a “por categoria”, em que grupos são o alvo de ataques por conta de gênero, raça ou religião; e a “contra o mundo”, com vítimas escolhidas ao acaso, como é o caso dos ataques às Torres Gêmeas em 2001.
“É mais comum o assassino não ter uma doença psiquiátrica associada do que ter. Quanto mais indiscriminadas as ações, mais próximo da insanidade está o algoz”, aponta o psiquiatra Barros, que fez um estudo sobre o caso de Wellington Menezes de Oliveira, o atirador de Realengo que matou 11 crianças (leia mais).
“O Wellington era catatímico, que é quando o paciente entra em estado delirante, com rigidez marcante e fica inacessível ao raciocínio lógico. A crise catatímica pode se externar em massacres. Mas este terrorista de Oslo não me pareceu catatímico”, analisa. “Os casos são diferentes, pois o massacre promovido por Wellington não configura terrorismo”, separa o médico.
O ato do norueguês é classificado como terrorismo porque visa provocar medo em setores específicos da população e sugerir que haja mudança de comportamento no governo local – ele deixa isso claro em seu manifesto contra a esquerda e ao falar da preocupação com uma suposta “invasão islâmica” na Europa.
“O terrorismo é um método que usa a violência para atemorizar. As vítimas têm função simbólica. Os atos são usados para servir de exemplos a outras pessoas”, esclarece o professor Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Segundo estudo realizado pela Universidade de Flinders (Austrália), que controla o Banco de Dados de Terrorismo Suicida, a maioria dos ataques de homens-bomba tem fundo político mais exacerbado que o religioso. Ainda segundo o estudo, estes homens não têm nada de loucos: são psicologicamente saudáveis, ligados às suas comunidades e religião e com vida social normal, como era o caso de Breivik. O norueguês foi filiado ao conservador Partido do Progresso e costumava escrever sobre política e economia mundial, demonstrando profunda ignorância em relação a diversos problemas mundiais. Ao falar em um de seus textos sobre o Brasil, por exemplo, ele relacionou a pobreza e desigualdade à “mistura de raças catastrófica”.
“Esses assassinos em massa acreditam na figura do mártir, acreditam que serão uma figura admirável por defender os interesses de uma parcela da população, do seu povo”, fala Marlene. “O que me impressiona é que ele usou o mesmo artifício que seus ‘inimigos islâmicos’ usam”, completa.
A maioria dos terroristas tem por trás de suas mentes lavagem cerebral e a crença irracional em algo, em maioria política ou religiosa. “Componentes sociais e econômicos conjugados com elementos psicológicos do indivíduo que comete o ato influenciam a prática terrorista. Hoje, a Europa é um ambiente fértil para arregimentar terroristas porque cresce cada vez mais a rejeição ao imigrante, principalmente o identificado como árabe ou africano e isso chega a ser estimulado pelo Estado”, pontua Nasser.
Com a crise econômica mundial que quebrou diversas potências no Hemisfério Norte em 2008, houve fortalecimento de partidos de extrema- direita. Nos Estados Unidos, tal mudança foi impulsionada pelos opositores ao governo de Barack Obama. Na Europa, por conservadores nacionalistas, xenófobos ou não, mas em maioria contrários ao multiculturalismo (a mistura de culturas). São radicais defensores de conceitos retrógrados como “pureza racial” que usam um discurso de ódio para justificar políticas anti-imigração e têm recebido apoio popular.
“Assassinos em massa têm histórico de frustração e de não saberem lidar com ela, de culpar os outros pelos seus erros. Vivem isolados em seus próprios pensamentos megalomaníacos. A xenofobia é só um dos fatores que mascaram esse comportamento perturbado. O que posso observar deste caso é que ele quis mostrar seu poder contra seus ‘inimigos’, atirando contra eles”, conclui Marlene.
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