quarta-feira, 7 de março de 2012

Crimes sem solução

Mais de 115 mil assassinatos estão sem punição no País, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Motivos não faltam: delegacias sucateadas, precária infraestrutura das polícias técnicas para obter provas e falta de investigadores e peritos capacitados

"Mataram meu filho. E foi como se tivessem pisado numa barata. Parece que não importa para ninguém", diz Vera Lúcia Andrade de Freitas. O filho, Matheus, foi uma das cerca de 500 pessoas que morreram em maio de 2006, numa série de assassinatos que ficaram conhecidos como "crimes de maio". A suspeita é de que tenham sido mortas por policiais, como revide aos ataques a PMs feitos por bandidos da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).


Matheus, que tinha 21 anos, estava numa pizzaria perto de sua casa quando homens encapuzados e de moto passaram atirando. Matheus e Ricardo Porto Noronha, de 17 anos, foram atingidos e morreram. Os dois deveriam estar na escola, mas foram dispensados após o colégio receber ligações telefônicas ameaçadoras. A pizzaria também recebeu ameaças, mas o dono não cumpriu a "ordem" de fechar. "Na verdade, nunca investigaram a morte do meu filho. Vieram aqui, perguntaram ao dono da pizzaria se sabia de algo. Ele disse que não e pronto", diz Vera Lúcia.


O caso de Matheus entra para a triste estatística dos milhares de assassinatos sem solução no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça contabiliza que a maioria dos 143.694 homicídios ocorridos antes de 31 dezembro de 2007 está sem solução no País. Os dados são de um levantamento feito em função da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, lançada em 2010 para promover um mutirão dos órgãos responsáveis pela segurança pública e traçar políticas nacionais. Para isso, foi estabelecida uma meta até abril deste ano: concluir todos o inquéritos e procedimentos que investigam homicídios dolosos instaurados até 31 de dezembro de 2007. A meta, porém, não será atingida. Até dezembro passado, o número de casos sem solução era de 115.561 (80,4% dos 143 mil). Só 28.133 inquéritos de homicídios antigos tiveram desfecho. Mesmo assim, a maioria (22 mil) por arquivamento, sem autoria.


Para especialistas, o problema é estrutural. "As causas são diversas", diz Taís Ferraz, juíza federal e conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público. Ela aponta a comunicação entre polícia e Ministério Público, baseada em protocolos burocráticos que tornam os processos lentos, como um dos fatores. Ela cita ainda a falta de capacitação para o combate a crimes contra a vida. O descompasso causado pela falta de conhecimento já é chamado de "efeito CSI", referência ao seriado de tevê que mostra a rotina de peritos forenses que resolvem crimes por meio de perícia. Christiano Xavier, diretor do sindicato dos servidores da polícia de Minas Gerais, Estado com 19.640 inquéritos anteriores a 2008 em aberto, concorda. "Temos 9 mil policiais civis e 50 mil militares, menos efetivo que nos anos 80. Acho difícil resolver esses casos antigos."


Taís cobra investimentos na Polícia Civil: "Ela sempre recebeu menos verbas que a PM. Faltam delegados, investigadores, peritos. É impossível resolver homicídios sem perícia. A PM tem mais visibilidade, atrai mais votos. Mas ao não darmos respostas aos homicídios, passamos a mensagem de que vale a pena matar", afirma.


A impunidade não acontece, porém, só por conta do corporativismo, nos casos em que há PMs envolvidos. Atinge também famílias abastadas e políticos. O caso da Rua Cuba, por exemplo, ocorrido na véspera do Natal de 1988 em São Paulo, nunca foi esclarecido. O advogado Jorge Toufic Bouchabki e sua mulher, Maria Cecília, foram mortos enquanto dormiam. O filho mais velho, Jorginho, então com 19 anos, chegou a ser um dos suspeitos, mas não foi a julgamento por falta de provas. O crime prescreveu em 2008, 20 anos após o crime. Outro caso é o do assassinato do prefeito de Campinas (SP), Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, morto a tiros em setembro de 2001. Para a polícia, ele foi morto por atrapalhar a fuga da quadrilha de Wanderson Lima, o Andinho, que negou a participação. Em 2007, a Justiça recusou a denúncia contra Andinho por falta de provas. A promotoria não havia achado a arma do crime nem estabelecida a motivação.


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