Poucas mulheres têm coragem para falar sobre agressões e abusos. Campanha propõe mobilização nacional contra covardia
A cada dia de setembro, 194 mulheres registraram boletim de ocorrência por lesão corporal em São Paulo. Isso significa que – oficialmente – a cada hora, oito mulheres foram agredidas. Na grande maioria dos casos, em São Paulo e no Brasil, o agressor é o marido ou o companheiro. Segundo dados da Fundação Perseu Abramo, 56% dos casos de violência contra a mulher são causados por eles. No Brasil, uma em cada cinco mulheres já foi agredida pelo menos uma vez. E apesar de o País possuir legislação específica para tratar a violência contra mulher, delegacias especializadas e intensa mobilização da sociedade civil, menos da metade das mulheres agredidas procuraram ajuda.
Eliana Passarelli, promotora de Justiça Criminal que atua na Vara de Violência Doméstica da zona oeste de São Paulo, aponta que o que impede as mulheres de denunciar é a pressão social e, às vezes, até familiar. “Há ainda a dependência financeira, que faz com que elas pensem que não têm para onde ir; e achar que não vão ser acreditadas, pois não há testemunhas”, diz. Antes de 2006, quando foi promulgada a Lei Maria da Penha para punir os autores desse tipo de crime, não havia nenhuma legislação para defender as mulheres. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, até julho de 2010, foram sentenciados 111 mil processos e distribuídos mais de 330 mil procedimentos sobre o assunto. Além disso, foram realizadas 9,7 mil prisões em flagrante e decretadas 1.577 prisões preventivas de agressores.
Para facilitar as denúncias, há Central de Atendimento à Mulher, conhecido por Disque 180. O serviço funciona 24 horas por dia, de segunda a domingo, inclusive feriados, e a ligação é gratuita. Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 5 anos, o serviço recebeu quase 2 milhões de ligações. A maior parte de mulheres de São Paulo, Bahia e Minas Gerais. Apesar das inúmeras ferramentas, muitas ainda preferem o silêncio.
A consultora de imóveis Eliza Regina Rodrigues, de 41 anos, sofreu durante 5 anos agressões do marido ciumento. Ela lembra que ao chegar em casa era recebida com socos e tapas no rosto. “Chegou ao ponto de eu mal poder sair de casa, temendo as represálias dele. Certa vez, eu fui arrastada pelos cabelos na rua. Totalmente alcoolizado, ele me agredia com palavrões. Era humilhante”, lamenta. Na época, a Lei Maria da Penha não existia e Eliza assumiu o risco ao não denunciar o marido. “Eu o amava, não tinha coragem.” Eliza encontrou a solução para seu sofrimento nas Correntes da Família da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e conseguiu salvar o casamento. Hoje, vivem em harmonia. A dificuldade em denunciar, enfrentada por muitas, encorajou o grupo Sisterhood, da IURD, a promover o evento “Rompendo o Silêncio – Um basta na violência doméstica” em diversos Estados e no exterior, no próximo dia 26. Com apoio do grupo A Mulher V, da Associação das Mulheres Cristãs (AMC), do Força Jovem e da Escola do Amor, a ideia é fazer a passeata seguida de palestra para orientar mulheres agredidas que não sabem como resolver a questão, além de apoiar as que vivem com o trauma e, por isso, não têm paz interior. “Serão dadas dicas práticas do que fazer”, diz a escritora Cristiane Cardoso, que lidera o evento.
A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta a violência contra a mulher como uma “pandemia global”. Uma em cada três mulheres do planeta já sofreu agressão física ou sexual em sua vida. Ou seja, 70% da população feminina mundial já foi espancada, coagida sexualmente ou vítima de abuso.
Dia 26, IURD fará caminhadas
Caminhadas e palestras de combate à violência doméstica acontecerão no próximo dia 26, um dia após a data em que se celebra o “Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher”. O evento, promovido pela IURD, será realizado em vários Estados do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Goiás, Ceará, Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso, Maranhão e Distrito Federal.
Em São Paulo, a caminhada sairá do Largo da Concórdia, às 11h, e terá como destino o Cenáculo do Espírito Santo, que fica na Avenida Celso Garcia, 499, no Brás, onde vai acontecer, às 12h, a palestra “Rompendo o silêncio”, sobre violência contra a mulher.
Cresce o número de denúncias, mas não é o suficiente
Toda mulher vítima de violência doméstica pode entrar em contato com o disque-denúncia, ligando 180. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, que implantou a central de atendimento em 2005, o serviço registrou 343.063 solicitações nos sete primeiros meses de 2010; em 2009, foram contabilizadas 161.774. O índice de aumento foi de 112%.
O crescimento das denúncias é reflexo de uma maior divulgação do assunto pelos meios de comunicação, do acesso da população às notícias, do desejo das vítimas de manifestar sua indignação e do fortalecimento da rede de atendimento às mulheres.
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