domingo, 20 de novembro de 2011

Mistura que pode matar.

Mistura que pode matar

Bebida e remédios formam uma combinação perigosa. Luciano bebeu uísque e tomou medicamento para dormir, após discussão com o irmão Zezé Di Camargo, e foi parar na UTI

Na noite de 27 de outubro, pouco antes do início de um show em Curitiba, capital do Paraná, a dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano anunciava a separação. Depois de uma briga no camarim, imprensa e fãs ficaram alarmados com o possível fim da parceria dos dois filhos de Francisco. Não bastasse a apreensão, na manhã seguinte, Luciano foi levado a um hospital e internado na unidade de terapia intensiva com fortes dores no peito. Depois de uma série de exames, veio o resultado: o cantor havia sofrido uma baixa de potássio no sangue por ter misturado bebida alcoólica com diurético e calmante. Chamada hipocalcemia aguda, ela provoca sintomas semelhantes aos do infarto, como dormência nas extremidades dos membros, espasmos musculares e disritmia cardíaca, podendo levar à morte.


“Tomei uísque e um Rivotril para dormir”, declarou o cantor Luciano, de 38 anos, em entrevistas recentes, explicando a primeira mistura perigosa a que se submeteu. A segunda, é o diurético que ele usa para combater inchaço nos braços e nas pernas durante as turnês. Como o álcool também tem efeito diurético, Luciano eliminou mais sais (como potássio, cálcio, fósforo e magnésio, essenciais para o bom funcionamento de todo o organismo) do que ele poderia.


“O uso de diurético provoca alterações no potássio, o que causa arritmia e também desidratação, aumentando o risco de morte súbita. A combinação entre álcool e Rivotril, que é um calmante depressor do sistema nervoso central, potencializa o efeito do álcool, causando letargia, piora dos reflexos, alucinações, desatenção, confusão mental, depressão respiratória, podendo levar ao coma e à morte”, explica o médico psiquiatra João Maria Corrêa Filho, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.



O cantor estava abalado e está ciente de que cometeu um erro. “Eu não bebo, mas cheguei ao hotel, tomei o diurético e não tomei o potássio. Como estava enfurecido para dormir logo, tomei o uísque. Eu poderia ter morrido”, disse Luciano à apresentadora do programa “Hoje em Dia”, Chris Flores.


O cantor é apenas um caso notável de um erro que as pessoas cometem e nem percebem: misturar medicamentos com bebidas alcoólicas. As reações mudam entre os indivíduos, dependendo da quantidade de remédio e bebida consumidos e as interações dos princípios ativos.O principal problema está no fígado, órgão responsável por metabolizar a maioria de tudo o que ingerimos.



“O fígado é o órgão que metaboliza os medicamentos que tomamos e também o álcool. Quando o paciente bebe fazendo uso de remédio, diminui a capacidade metabólica do órgão de uma maneira geral ou a interação faz a medicação se tornar tóxica para o organismo. No caso da maioria dos remédios de uso psiquiátrico, de tarja preta, o álcool aumenta o poder de ação do remédio e pode levar o paciente a crises e piora do quadro geral”, aponta o médico psiquiátrico Carlos Salgado, ex-presidente e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).


Outro sertanejo declarou, na semana passada, que fazia uso de remédio para depressão e tomava até um litro de destilado por dia. O cantor Edson, que voltou a fazer dupla com o irmão Hudson há algumas semanas, disse abertamente a uma revista semanal sobre o assunto: “Eu bebia demais, tomava remédio pra depressão. Tomava o remédio tarja preta e potencializava isso com bebida. Estava deprimido, mas os remédios e a bebida só serviam para adormecer meus sentimentos, eu maquiava as emoções”. Ele diz que agora está recuperado.


“O uso concomitante de remédios com álcool tem acontecido, mas não é pela falta de informação, mas sim pela dificuldade de parar com o uso de álcool. Em alguns casos, é pela busca do ‘barato’, como é relatado no uso de estimulantes, anticonvulsivantes e analgésicos”, aponta o médico Corrêa Filho.


Muitos jovens misturam remédios com bebidas para alterar os sentidos e, entre os favoritos deles estão as anfetaminas – que vêm sendo tiradas do mercado pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “O problema do estimulante é que ele disfarça o pileque. Por sua vez, o álcool é um depressor do sistema nervoso central, causa certa sonolência, diminuição de sentido e da capacidade cognitiva, o que leva o indivíduo a tomar mais estimulantes. Essa combinação pode levar à morte por parada cardíaca”, diz o médico psiquiatra Antonio de Carvalho, diretor da Clínica Reabilita, que recupera dependentes de álcool.


Com essa explicação, o médico traz à luz o caso da cantora Carmen Miranda, a eterna Pequena Notável do Brasil. Como fazia diversas apresentações numa mesma noite, cantando e dançando, e em seguidas vezes na semana, Carmen fazia uso de estimulantes para se apresentar. Depois, bebia e tomava barbitúricos para conseguir dormir. Em uma noite de 1955, aos 46 anos, o coração da diva tropical não aguentou e parou.



São muitos os casos de celebridades que fazem uso de remédios e, volta e meia, vão parar no hospital por cruzar medicamentos e álcool. A atriz hollywoodiana Mischa Barton estava fazendo um tratamento contra bronquite quando resolveu beber na festinha com amigos. Foi parar no hospital se sentindo muito mal, porque um dos princípios ativos do remédio era uma anfetamina.


A atriz Elizabeth Taylor passou a vida tomando remédios por sentir muitas dores na coluna, que fraturou aos 12 anos. Mas isso nunca a impediu de beber e de protagonizar diversas idas ao pronto-socorro por estar passando mal. Em 1983, foi internada pela primeira vez para se tratar da dependência de ambas as drogas. Cinco anos depois, retornou à internação para cuidar do vício em remédios. O ator Colin Farrell, que fez filmes como “Minority Report” e “Por um Fio”, também precisou se internar pelos mesmos problemas enfrentados por Liz Taylor. Porém, há quem aposte que o problema do ator não são as drogas de farmácia, mas sim as ilícitas.


Mas talvez o mais recente e emblemático caso de morte por conta da mistura fatal é a do ex-guitarrista da banda de rock Alice in Chains. Mike Starr morreu em março passado após ingerir metadona (um poderoso analgésico usado no tratamento contra o vício em heroína), ansiolíticos e álcool.


Além dos perigos dos medicamentos de tarja preta, o álcool trabalha contra os efeitos dos antibióticos no corpo. “O antibiótico tem uma interação complexa. Ao beber em demasia ou com frequência durante o tratamento, as taxas de absorção do remédio pelo intestino caem, diminuindo sua função no organismo. Há casos em que as bactérias se fortalecem e é necessário repetir o tratamento”, diz o médico Carlos Salgado.


E há, ainda, em alguns medicamentos, o “efeito antabuse”, provocado por tipos específicos de antibióticos e analgésicos. “O antabuse é causado pela mistura de álcool e ativos como o dissulfiram (conhecido como ‘antietanol’), que impede a metabolização do álcool pelo fígado. Os sintomas deste efeito são vermelhidão facial, náusea, vômitos e taquicardia. Reações graves podem levar à morte, dependendo do volume de álcool ingerido e predisposição pessoal”, esclarece o médico Corrêa Filho.


Em todos os casos, os especialistas pedem cautela e orientam que, quando se estiver fazendo um tratamento medicamentoso, seja evitado o álcool, mesmo em baixas doses e apesar da existência de fármacos que não reajam mal ao serem mesclados com álcool. Isso sem falar dos riscos da automedicação.



Analgésicos causam tragédias nos EUA


Segundo estudo realizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, as mortes provocadas por overdose de analgésicos triplicaram na última década no país. Em 1999, cerca de 4 mil pessoas morreram em decorrência de overdose letal, contra 14,8 mil em 2008.


“A epidemia de overdose de medicamentos com receita dos Estados Unidos piorou muito nos últimos 10 anos”, lamentaram os relatores da pesquisa, referindo-se a analgésicos opiáceos – que no Brasil só são vendidos com retenção de receita.


No ano passado, 12 milhões de pessoas (cerca de 5% da população dos EUA) declararam ter tomado esses remédios sem necessidade, apenas para uso recreativo. “O efeito destas substâncias combinadas ao álcool é parecido com o do cruzamento com ansiolíticos e pode causar parada respiratória”, diz o médico psiquiatra Antonio de Carvalho. Nos Estados Unidos é possível obter estes medicamentos sem a apresentação de receita médica, por isso os índices de mortalidade são diferentes dos do Brasil.

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