Ex-jogadora de vôlei é morta a facadas pelo próprio filho. O que leva jovens de classe média a cometer tamanha brutalidade com aqueles que lhes deram a vida?
Dificilmente um crime choca tanto quanto aquele é cometido dentro do núcleo onde todos deveriam se sentir seguros: a família. Como justificar um ato de violência cometido por filhos contra os próprios pais? Como entender que a violência doméstica tomou o lugar do afeto e do respeito? Será que uma família que preza o diálogo, o carinho e a compreensão está livre de viver uma tragédia como a do caso do estudante de direito Kléber Galasso Gomes, de 22 anos, que, segundo a polícia, confessou ter assassinado a mãe, a ex-jogadora de vôlei Magda Aparecida Galasso Gomes, de 53 anos, no apartamento da família, em São Paulo? De acordo a polícia, depois de horas de interrogatório, o jovem estudante admitiu que vinha sendo pressionado pela mãe, com quem tinha problemas de relacionamento, e que não aguentava mais seu jeito dominador. Em depoimento, ele teria dito ainda que estava cansado, pois ela o pressionava muito a estudar e trabalhar. Ele a matou a facadas com 17 golpes.
Num primeiro momento, o estudante contou à polícia que havia sido vítima de um assalto e que, ao levar os criminosos até sua casa para lhes entregar um cartão de débito, um deles teria matado sua mãe, quando ela tentou defendê-lo. A versão foi logo desmentida pela polícia, que não descarta a hipótese do crime ter ocorrido motivado pela ambição. Gomes seria o único herdeiro do apartamento recém-comprado pela mãe num bairro nobre de São Paulo, além de ela ter um seguro de vida de R$ 50 mil, cujo beneficiário seria ele.
Alexandrina Melleiro, psiquiatra graduada pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que quando as relações familiares chegam a esse desfecho trágico, já estão deterioradas há tempos. "Já não há respeito, moral, religião e outros fatores importantes em muitas relações entre pais e filhos hoje em dia. Isso contribui para a violência", afirma. Segundo ela, outras vezes, os pais querem impor limites e os filhos não aceitam. "E isso, aliado às drogas e ao dinheiro, por exemplo, pode levar a atos violentos", completa.
No caso de Gomes, em depoimento, o estudante admitiu ser usuário de drogas há bastante tempo e afirmou ter problemas com os pais. Filho único, o pai e a mãe do estudante se separaram no final do ano passado.
E muitas vezes, famílias aparentemente bem estruturadas e baseadas no carinho também são vítimas de atos violentos, como aconteceu com o casal Tereza Cobra, de 60 anos, e Wilson Tafner, de 64 anos, mortos com facadas na cabeça enquanto dormiam em um condomínio de luxo em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, em outubro de 2010. Na ocasião, a filha do casal, Roberta Tafner, na época com 29 anos, e o genro Willians de Souza, foram apontados como os principais suspeitos.
Na época, o crime chocou os vizinhos da família e autoridades pela brutalidade dos ataques, já que todas as facadas foram desferidas no rosto. Segundo a polícia, o crime teria sido praticado por motivos financeiros – Roberta seria a beneficiada com um polpudo seguro de vida dos pais. Ela e Souza foram indiciados por duplo homicídio triplamente qualificado: motivo torpe, emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa das vítimas.
De acordo com a psiquiatra Alexandrina, se engana quem pensa que família estruturada é família com dinheiro, que pode dar tudo o que os filhos desejam. "Justamente por terem muito dinheiro, os pais terceirizam a educação dos filhos, que passam mais tempo com babás ou nas ruas, sem a presença importante dos pais na criação", afirma. "Muitas vezes, famílias de classes sociais menos favorecidas mantêm uma relação de respeito e moral dentro de casa, e famílias mais abastadas não", completa. Um caso clássico de parricídio e matricídio (homicídios causados contra o próprio pai e mãe, respectivamente) que causou comoção nacional em 2002 foi a da então estudante de direito Suzane Von Richthofen. Enquanto seus pais, Manfred e Marísia Von Richthofen, eram assassinados pelo ex-namorado de Suzane e o irmão dele, ela esperava na sala da casa da família, num bairro nobre de São Paulo. O casal foi morto com barras de ferro. Ela cumpre pena de 39 anos.
Segundo a psicóloga Maria Eliza Spinelli, membro da Associação Paranaense de Terapia Familiar, hoje as famílias convivem com uma inversão de poderes. "Teoricamente o abuso de pai para o filho ocorre mais pelo fato de ser a figura mais forte sobre a mais fraca, mas agora se inverteu isso e os mais fracos estão mais poderosos. Há inversão de poder, fica com essa postura de enfrentamento que não tinha antes e isso pode ser por inúmeras questões, como drogas e falta de limites impostos pelo pais, que estão perdidos", afirma.
Discussões
Acusada de arquitetar a morte dos pais e da empregada da família também a facadas, em 2009, em Brasília, Adriana Villela – filha do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Guilherme Villela – ainda tenta provar na Justiça sua inocência. Segundo a polícia, Adriana não tinha bom relacionamento com os pais. Ela, porém, alega ter sofrido "tortura psicológica" durante as apurações do caso. O inquérito corre em segredo de Justiça e diversas pessoas já foram apontadas como os assassinas. Enquanto isso, Adriana está em liberdade.
A psiquiatra Alexandrina Melleiro destaca também que crianças que sofreram traumas têm mais predisposição para entrar num ciclo de violência na vida, assim como as que foram criadas em ambientes hostis. O caso do camelô Raphael Cruz Castilho, de 24 anos, retrata bem a repetição de uma violência sofrida na infância. Castilho deu dois tiros no peito do próprio pai, e decepou a orelha da vítima com uma faca, em março do ano passado. A crueldade apenas repetiu o que ele havia presenciado 19 anos antes, quando o pai do camelô espancou e arrancou a orelha direita da ex-mulher com uma mordida, na frente do filho. "É muito difícil explicar esse tipo de crime. É chocante. Mas ainda são casos isolados que mostram que sociedade está adoecendo e a crise maior vem surgindo. Portanto, é preciso ficar atento para não virar regra ou epidemia", alerta a psicóloga Maria Eliza Spinelli.
Há poucos dias, Henrique Ramos Vieira, de 21 anos, foi internado no Hospital Geral de Guarulhos, sob escolta de policiais. O jovem matou os pais, Luis Pedro Vieira, de 50 anos, e Rosimeire Ramos Vieira, de 45 anos, a facadas, dentro da casa da família em Guarulhos, na Grande São Paulo. Ao fugir do local com o carro do pai, o jovem sofreu um grave acidente e foi preso pela polícia. No dia em que cometeu o crime, ele tinha consumido bebidas alcoólicas em uma festa. Os vizinhos da família informaram aos policiais que o jovem era usuário de drogas, mas a polícia ainda suspeitam de outra motivação para a tragédia: Vieira estava insatisfeito com o tratamento dado pelos pais a sua namorada, uma balconista de 28 anos. Segundo vizinhos, os pais não aprovavam o relacionamento.
Mortos pelos próprios pais
Se já é chocante ver filhos matando seus pais de forma cruel e sem demostrar nenhum remorso, o que podemos dizer do contrário: quando os pais tiram a vida daqueles que eles próprios colocaram no mundo? Apesar de aterrorizante, esse tipo de caso é mais comum do que gostaríamos que fosse. Muitas vezes vemos estampados nos jornais histórias de pais ou mães, que matam os filhos barbaramente, algumas vezes, inclusive, com ações premeditadas. Segundo estatística do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência, mais de 50% dos casos de violência contra menores de idade são atribuídos aos pais.
Um morador da zona rural de Teixeiras, na zona da mata mineira, matou os quatro filhos de 17, 6, 4 e 3 anos com golpes de machado e se matou pouco depois, na cidade vizinha de Pedra do Anta. Segundo a polícia, o crime, ocorrido no último dia 16, teria sido motivado pela revolta do acusado com o fim de seu casamento e iminente mudança dos filhos para viverem com a mãe.
Outro caso trágico ocorrido no início deste ano foi protagonizado por Cássia Cristina Gomes, de 33 anos. Ela teria cortado a rede de proteção de seu apartamento, jogado o filho de 6 anos pela varanda do 15º andar e depois se atirado. Bilhetes encontrados pela polícia dentro do apartamento indicavam que a atitude dela foi tomada em razão de uma suposta traição do ex-marido com sua própria mãe. Ou seja, a destruição de uma família com relações totalmente deterioradas, na qual uma criança indefesa acabou sendo vítima.
Um caso emblemático que chocou o Brasil em março de 2008, também em São Paulo, foi o da menina Isabella Nardoni, de 5 anos. Ela morreu após cair da janela do sexto andar do Edifício London, na Vila Mazzei, zona norte da capital. A Polícia Civil concluiu que Isabella foi espancada e esganada antes de ser jogada pela janela do apartamento. O pai dela, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, estão presos condenados pelo crime, apesar de ambos negarem a autoria do assassinato e culparem uma terceira pessoa, situação descartada pela polícia durante a investigação.
Na maioria das vezes, os casos envolvendo a morte de crianças por seus próprios pais estão envolvidos de muito mistério e, por incrível que pareça, frieza. Em 2010, a francesa Dominique Cottrez, de 47 anos, confessou ter asfixiado seus oito filhos recém-nascidos, colocado em sacolas plásticas e depois enterrado no jardim. Os crimes, segundo a investigação, teriam sido cometidos entre 1989 e 2006. À polícia, ela, mãe de duas filhas na faixa dos 20 anos, disse que não desejava ter mais filhos e não queria consultar um médico para utilizar meios contraceptivos.
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