domingo, 9 de agosto de 2009

PAPÉIS INVERTIDOS



Papéis invertidos
Por Andrea Dip andrea.dip@folhauniversal.com.br Neste Dia dos Pais, reunimos histórias de filhos que assumiram a responsabilidade de cuidar daquele que um dia cuidou deles O caminho do portão principal até a casinha de paredes verdes é curto. O que atrapalha é a chuva fina que cai. Temos de desviar de algumas poças para, finalmente, alcançarmos a porta de vidro, que dona Alba abre com cuidado. “Pai?”, ela chama o senhor que está deitado em uma cadeira no meio da sala, iluminada apenas pela claridade cinza do dia. “Hum”, resmunga seu Eurípedes, e dá as costas – direito adquirido com os quase 100 anos que completará em novembro. “Sabe, você foi um pai maravilhoso para mim”, insiste Alba, tentando ganhar a atenção dele. “Mais ou menos”, responde ele. “Lembro-me de quando eu fingia dormir só para o senhor me levar para a cama. O que mais me faz falta são suas histórias, suas poesias. Agora sou eu que tenho que te contar”, lembra Alba. Eurípedes Corrêa da Silva, funcionário público aposentado, antes de o mal de Alzheimer chegar, há 7 anos, escrevia poemas que a filha se orgulha em mostrar: “Lá naquele rancho triste/ de buracos todo cheio/ já caindo de velhinho/ mesmo a lua não resiste/ quando vem, do céu, a meio/ espiar um tal cantinho.” Por causa da idade, e também pela doença que “derreteu sua memória”, como costuma dizer, ele não anda mais e precisa de ajuda para comer, tomar banho, ir ao banheiro. Precisa da atenção integral da filha, que, junto com uma cuidadora, olha o pai com a atenção e carinho com a qual ele cuidou dela um dia. “É uma criança”, diz Alba, de 62 anos, que se dedica ao pai, mesmo tendo o marido também com Alzheimer, duas filhas e um neto. “A diferença é que é uma criança que já vi bem, andando, falando, e que sempre admirei”, pontua.A figura do pai, na maioria dos casos, é assim: digna de admiração. Muitas vezes, nosso maior herói é ele, que nos ensina coisas, nos educa, dá amor e segurança. Mas o que acontece quando, por motivos diversos, os papéis se invertem e o pai vira praticamente filho de seus filhos? Para a neuropsicóloga, especializada em gerontologia, Maria Rosa Plubins, tudo depende do tipo da relação construída: “Se foram pais afetivos, presentes e admirados, isso refletirá na hora em que precisarem de cuidados. Pais afetuosos geram filhos afetuosos.” Maria Rosa explica que a gratidão é um forte motivo na hora de amparar o pai. É o caso de Lívia Militão, de 29 anos, que mora e toma conta do “teimoso” seu João. “Ele resistia às minhas opiniões no começo. Eu tenho que usar de muita psicologia para convencê-lo sobre questões da vida, como a venda da casa, situações profissionais, dívidas. Sou mais um arrimo nas questões práticas do dia a dia”, conta a filha. “Ele caiu num golpe, que gerou uma dívida enorme. Se eu não for com ele ao advogado, ele deixa o processo acabar e perde tudo.” Sob o olhar atento e desconfiado do pai, Lívia dá a deixa: “Também preciso marcar médico e dar um jeito de ir com ele, senão ele falta ou mente para o médico.” Para a psicóloga Luciana Zeni, é a partir dos modelos que se tem em casa que a criança forma a personalidade. “Quanto menor a criança, maior o reflexo da família e do ambiente em que ela vive. Por isso, precisa de modelos. Um pai cuidador, uma figura masculina mais próxima está ligada ao seguimento de regras.” O motorista Claudinei Batista, de 36 anos, não precisou esperar ver os filhos crescerem para ter carinho e cuidado retribuídos. Há 4 anos, sua mulher e mãe das crianças o deixou, no dia em que Israel, o filho menor, completaria 5 anos. “Fiquei arrasado, transtornado”, lembra. “Ficamos só nos três. Foi quando a Larissa, então com 6 anos, vendo meu desespero, me disse: ‘pai, a mãe foi embora mas eu vou cuidar do senhor’”, lembra. E cuidou mesmo. A pequena tentava fazer as tarefas da casa para que o pai não precisasse lavar louça e varrer a casa quando chegasse cansado do trabalho. “Eu tinha que mandá-la parar, porque queria fazer coisas pesadas para a idade dela”, conta. Os olhos da menina, hoje com 10 anos, brilham quando fala do amor pelo pai: “Eu o amo muito, a coisa que mais gosto é quando ele me chama de princesa. Minha mãe foi embora, mas eu vou ajudar ele para sempre.” Claudinei, que chegou a deixar o trabalho e viver de bicos para poder cuidar dos filhos, se emociona quando lembra que foram os dois que deram forças para ele continuar a lutar: “É engraçado. Eu pensei que, por serem crianças, eu seria mais forte. Mas foram eles que foram fortes e me deram força. Quem é o pai e quem são os filhos?”, diz e abre um sorriso largo cheio de orgulho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

MACACO LADRÃO PM 1