Pressão por desempenho e metas das empresas no mundo moderno ajudaram a crescer em 20% os casos de afastamento do trabalho por estresse e depressão
Da redação
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Dados da Previdência Social mostram que os pedidos de afastamento do trabalho por doenças mentais, como estresse e depressão, aumentaram quase 20% em 2011 em relação a 2010. O ritmo intenso das grandes metrópoles, o medo do desemprego e o estresse causado pela economia aquecida têm sido as causas mais comuns do colapso psíquico de trabalhadores. A principal causa de afastamento ainda são os danos físicos, seguidos por doenças osteomoleculares, como as lesões por esforço repetitivo (LER) e, em terceiro lugar, as doenças mentais e psíquicas.
“As pessoas vêm adoecendo no trabalho, mais especificamente na esfera psíquica, porque sofrem pressão de desempenho e metas. Enfrentam ainda formas de tratamento inadequado por parte das empresas, que acabam submetendo-as a situações de humilhação, desconsiderando as diferenças e os limites humanos. Infelizmente, muitos serviços médicos das companhias acabam sendo instrumentos de exclusão de trabalhadores que adoecem”, diz a médica sanitarista Maria Maeno, coordenadora do Grupo Temático Organização do Trabalho e Adoecimento da Fundacentro (entidade governamental que atua em pesquisas relacionadas à segurança e saúde dos trabalhadores).
Foi o que ocorreu com a designer gráfica L.C., de 28 anos, em Porto Alegre (RS). Sofrendo muita pressão da chefia, passou a apresentar sintomas físicos, como perda de peso e cabelo, além de crises com falta de ar, tremedeiras e suores. “Fui parar três vezes no pronto-socorro. Nos três atendimentos, os médicos me advertiram que os sintomas eram de fundo psicológico e os três médicos deram diagnósticos similares, de transtorno de ansiedade e síndrome do pânico. Quando iniciei o tratamento, o psiquiatra achou que seria prudente associar medicação ao trabalho de psicoterapia. Fiquei afastada do trabalho por 15 dias em função do período de adaptação às medicações”, Depois de alguns meses, ela voltoui a ter crises e decidiu tirar férias. Ficou 30 dias viajando, sentindo-se bem. Ao voltar ao trabalho, porém, as crises recomeçaram. Foi então que descobriu que tinha “transtorno de adaptação”: é o pânico associado a um local ou situação. No caso dela, estava ligado ao trabalho e à cobrança que sofria. Decidiu, então, pedir demissão. Tudo se passou entre 2009 e 2010.
O tratamento não foi fácil nem rápido, mas deu certo. “Nesse período, tive o apoio dos amigos e da família. No início, tinha vergonha de falar para as pessoas qual era a minha doença. Muita gente não compreende doenças de fundo psicológico. Falam ‘isso é frescura’. Não é frescura e é preciso de tratamento”, diz L.
O suporte social é importante. “Pessoas próximas, como amigos e familiares, estão diretamente ligados à felicidade. Quanto mais pessoas estiverem te apoiando, maior é a chance de superação”, diz a psicóloga Lilian Graziano, doutora em psicologia pela Universidadde de São Paulo (USP) e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC).
Já o caso da cabeleireira Neuza (que também pediu para não ser identificada), de 46 anos, foi diferente. A depressão foi causada por problemas hormonais e também demorou a ser diagnosticada como doença psíquica. “Eu não tinha motivo para me sentir triste. O trabalho estava indo cada vez melhor, minha família estava ótima, as contas estavam em dia, estava até com a viagem de férias marcada. Um dia acordei me sentindo vazia. Esse vazio foi sendo preenchido por desânimo”, lembra. Para ela, a vida não tinha mais sentido. Era como se tudo que tinha construído até ali não tivesse valido a pena. Neuza trabalhava num salão de beleza em frente à casa dela, e não tinha como “fugir” do trabalho, embora “não quisesse sair da cama”. Então, passou a sentir dores nos braços. “Comecei a não aceitar mais clientes que faziam escova. Só cortava, pois fazer escova era impossível. Minha patroa começou a reclamar. Eu achava que meu problema era nos braços, demorei muito para entender o mecanismo da doença”, recorda. Por fim, Neuza foi diagnosticada: tinha despersonalização provocada pela depressão. “Passei 6 meses afastada. No começo foi horrível, pois ficava na cama. Passei a fazer terapia. Aí comecei a melhorar: além das conversas, combinadas a remédio, me foram indicadas atividades como musicoterapia e ginástica. A inteiração social me salvou”, afirma a cabeleireira na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo.
É comum que a doença avance muito até ser notada. “A maioria dos que chegam aqui procuram o hospital por depressão ou crise de ansiedade, já em estado avançado. Como não sabem a quem pedir ajuda, deixam a doença avançar até perder o controle. A maioria chega com crise aguda. É importante procurar ajuda no começo, assim evitam-se afastamentos”, explica a médica Célia Gallo, gerente médica do Polo de Atenção Intensiva em Saúde Mental (PAI), instalado no Conjunto Hospitalar do Mandaqui.
Segundo ela, entre os sintomas de depressão estão tristeza sem motivo, falta de vontade de fazer coisas, inclusive passeios divertidos, falta de apetite, sono alterado, desânimo e corpo pesado ou com dores generalizadas.
Os acidentes de trabalho, porém, são ainda a maior causa de afastamentos no País. É o caso de Luiz Antonio Gonzalez, de 45 anos, ex-PM que foi vítima do acaso enquanto aguardava socorro para uma viatura quebrada. “Sofri um acidente de trânsito e perdi o movimento da perna esquerda. Fiquei 3 anos internado. Minha vida parou. Depois de muitos anos recuperei parte dos movimentos e voltei a trabalhar. Passei mais 10 anos trabalhando, mas fui reformado, pois não conseguia mais correr e tinha problemas na coluna. Nesse tempo minha perna direita afinou, pois jogava toda a carga sobre ela”, conta o ex-policial militar, que hoje dá orientação para outros policiais acidentados, porque durante sua intermação hospitalar teve tempo de estudar sobre seguros e laborterapia (enfermidades causadas pelo trabalho).
Já o caso de Kelli Regina Pereira dos Santos, bancária afastada, vem desde a adolescência. “Eu tenho linfedema [obstrução linfática] nas pernas desde os 13 anos. Em 2002, comecei a sentir muitas dores e não consegui mais trabalhar. Fui afastada pelo INSS e estou há 9 anos sem trabalhar”, conta. No início, acabou sendo desligada do banco por 2 anos. Depois, por mais 6 meses, e o tempo foi passando. “Minhas pernas incham muito. É um problema visível, mas mesmo assim não consigo aposentadoria. Não sei até quando essa novela vai durar”, diz Kelli, que tem só 34 anos.
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