Perigosa obsessão
Há quem acredite que um pouco de ciúme não faz mal a ninguém. Mas, apesar de parecer normal em certos momentos, quando se torna exagerado, ele pode levar a atos violentos e até a assassinatos
O ciúme é um sentimento natural dos seres humanos. Todos nós cultivamos um pouco dele em nossas relações, e a maioria dos casais até convive bem com essa emoção. Quando fora de controle, porém, o ciúme pode levar pessoas a cometer atos extremos como violência física, tortura psicológica e até assassinato. A rotina de um ciumento patológico – considerado doente – envolve o medo de perder o parceiro, insegurança e desconfiança de rivais imaginários. Não faltam casos de relações afogadas em crises agudas de ciúme que terminaram em morte.
Thiago de Almeida, psicólogo especializado no tratamento das dificuldades nos relacionamentos amorosos, explica que o ciúme patológico ou obsessivo é baseado apenas em atitudes retalhadoras e em ações negativas para o relacionamento. “A pessoa obsessiva tem uma alta quantidade de comportamentos explosivos e intensos, como brigas. São sempre atitudes recorrentes”, afirma. Segundo o especialista, as características mais comuns das pessoas extremamente ciumentas são a insegurança e a baixa autoestima. “Todos nós somos ciumentos, mas os patológicos são os causadores de crimes”, completa.
Em março de 2009, Ana Cláudia Melo da Silva foi morta com mais de 20 facadas pelo marido, o ex-jogador do São Paulo Janken Evangelista, no apartamento do casal, no bairro Jardim da Saúde, zona sul de São Paulo. Horas antes do crime, Ana Cláudia havia recebido um convite do então goleiro do Santos, Fábio Costa, para assistir a uma partida do time contra o Corinthians. No mesmo dia, o ex-jogador Ronaldo, segundo Ministério Público Estadual, deu um beijo em Ana Claudia, o que também teria irritado o marido. A acusação garante que Janken agiu por ciúmes. Já a defesa, alega legítima defesa. O ex-jogador assumiu o crime e cumpre prisão preventiva em Tremembé (SP).
Outro caso que chocou o Brasil foi o de Paula de Souza Nogueira Farias, de 22 anos, torturada e queimada pelo ex-marido Neliton Carvalho da Silva, de 25 anos, na favela do Terreião, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro. Paula contou que Neliton a torturou por cerca de 4 horas, suspeitando que ela o tivesse traído. Ela teve pernas, braços e rosto queimados e a polícia confirmou que a violência foi causada por ciúmes. Além das queimaduras, o ex-marido escreveu o próprio nome nas costas da jovem, com uma faca quente. Paula sofreu todas as agressões na frente do filho.
A procuradora Luiza Nagib Eluf, em seu livro “A Paixão no Banco dos Réus – Casos Passionais Célebres: de Pontes Visgueiro a Pimenta Neves”, afirma que todo crime passional é cometido por ciúme. “Se não houver ciúme, não é chamado de passional. É o ciúme possessivo, machista e descontrolado. O termo passional vem de paixão. Esse sentimento, a paixão, pode ser amoroso ou pode decorrer do sofrimento e gerar ódio”, destaca. Segundo a procuradora, o amor verdadeiro não leva ao crime. “A violência extrema, que é o assassinato, somente ocorre quando o agente não ama o outro e fica possuído de um desejo de vingança decorrente do amor próprio ferido”, aponta. “Em sua relação com a parceira, o homicida passional somente enxerga a si próprio. Para ele, pouco importam as necessidades, os anseios, os sentimentos de sua parceira. Trata-se de uma pessoa autocentrada que vê na mulher o espelho de sua vaidade”, completa.
Segundo Kelen de Bernardi Pizol, psicóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP), além do patológico, existem outros dois tipos de ciúme: o normal e o excessivo. “O ciúme normal não é ruim. Ele funciona como um sensor de perigo da relação. Já o excessivo é aquele que a pessoa tem reações exageradas, mas que não ultrapassam a normalidade”, explica. Kelen afirma que o sentimento tem a ver com insegurança, com o modo em que a pessoa se vê, em como vê o parceiro e como ela enxerga o amor. De alguma forma, o enciumado acredita que está cuidando do parceiro e tomando conta da relação.
A assistente administrativo Claudia Ferreira, de 35 anos, lembra que brigava muito com o marido por causa de ciúmes. “Se ele colocava os óculos escuros, já achava que era para olhar alguém. Se o telefone tocava, eu já queria saber quem era”, conta. Hoje, depois de 5 anos de casamento, Claudia considera que superou o sentimento ruim e vive bem melhor com o marido. “A gente aprende a entender certas coisas. Hoje não brigamos mais”, afirma.
Para o escritor Ubiratan Rosa, autor do livro “Mais Amor, Menos Ciúme”, o ciúme é o instinto de posse ainda em pequeno grau de educação ou evolução espiritual, e é ligado por um forte impulso egoístico, quase sempre baseado em indícios imaginários, que realmente pode chegar a uma intensidade capaz de conduzir a crimes passionais. “Apenas com um equilíbrio saudável entre ciúme e confiança se pode ter certeza da devoção e do amor do parceiro.” Segundo ele, “vencer o ciúme” ou “curar o ciúme” são forças de expressão. “O possível é a vivência inteligente com ele, e, para isso, o sujeito precisa ter boa vontade e criar estratégias para o alívio dos tormentos do zelo excessivo. É indispensável um empenho contínuo no processo de autoconhecimento e transformação moral. Empenho esse que não dispensa a psicoterapia, e, não raro, a religião”, afirma.
O bancário Danilo Oliveira, de 23 anos, usa o humor para lidar com o ciúme da mulher, com quem é casado há 5 anos. “Quando chego em casa e ela pergunta onde eu estava, falo que estava com umas mulheres. Eu acho que é melhor assim, levar na brincadeira”, afirma. Oliveira acredita que um pouco de ciúme é bom, para mostrar que o outro se importa de verdade, mas nunca em excesso. “Eu sou liberal. Tenho ciúme normal, aquele que todo mundo tem. Assim é saudável”, completa.
Cleide Sales, analista de comunicação, de 29 anos, namora há 4 e assume que é ciumenta. “Tenho mais ciúmes dos amigos dele do que de mulher. Não gosto quando ele sai para a balada sozinho, só com eles. Coisa boa não é”, diz. “Acho que quando ele está sozinho e passa uma mulher, pode ser que nem olhe, mas na companhia dos amigos um cutuca o outro, sabe como é”, exemplifica.
O psicólogo Thiago Almeida diz que no Brasil essa ideia de que o ciúme funciona como termômetro do relacionamento é muito comum. “Erro nosso, isso não está certo”, destaca. O escritor Ubiratan Rosa concorda. “É mentira. O ciúme é o túmulo do amor. Não o tempera. Na verdade, tira-lhe o sabor, nunca o fortalece, mas o enfraquece, e, finalmente, o destrói”, ressalta.
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