Tragédias envolvendo crianças com acesso a armas de fogo reacendem debate sobre a segurança de se manter pistolas e revólveres por perto
A morte do menino Davi Nogueira, de 10 anos, que em 22 setembro atirou na professora Rosileide Queirós de Oliverira, de 38 anos, e depois disparou contra a própria cabeça, reacendeu nos últimos dias o debate sobre a segurança de se manter armas em casa. A tragédia aconteceu dentro da Escola Municipal Professora Alcina Dantas Feijão, em São Caetano do Sul, no ABC, em São Paulo.
O revólver era do pai do garoto, o guarda municipal Nilton Nogueira, que faz bicos como segurança. A história está longe de ser um caso isolado. Não são poucas as crianças que, por brincadeira, curiosidade ou motivos impossíveis de entender, como no caso de Davi, testam as armas dos mais velhos.
De acordo com dados da organização Criança Segura, acontece em média um acidente fatal por semana envolvendo crianças até 14 anos. Em 2008, ano em que foi feito o último levantamento pelo grupo, 52 meninos e meninas morreram com disparos.
“Se não houvesse armas de fogo dentro de casa, poderíamos evitar a maioria dos acidentes”, aponta Alessandra Françoia, coordenadora nacional da organização Criança Segura. Trata-se de um risco não só para as crianças, mas para toda família. “As crianças têm curiosidade e não entendem os perigos. Ao manusear a arma, alguém sai ferido ou morto”, explica. Segundo Alessandra, crianças de até 8 anos não conseguem reconhecer a diferença entre armas de brinquedo ou de verdade. Com 3 anos, elas já conseguem apertar o gatilho.
No final do ano passado, outro caso envolvendo crianças e armas chocou o Brasil. Miguel Cestari Ricci dos Santos, de 9 anos, foi morto após ter sido baleado dentro da escola particular onde estudava, em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Na época a mãe do garoto, Roberta Cestari Ricci, contou que no dia anterior ao incidente, o filho havia lhe perguntado se poderia aceitar uma bala de revólver que outro garoto da sala lhe havia oferecido. O laudo pericial da morte de Miguel comprovou que quem apertou o gatilho foi um colega.
Miriam Barros, psicoterapeuta de crianças e adolescentes, destaca que os pequenos têm um interesse especial por armas de fogo. “São objetos que conferem poder a quem os possui. Além disso, fazem parte do universo infantil, através de filmes e desenhos animados”, relaciona. Alessandra, da Criança Segura, destaca que os pais devem entender a atração das crianças e o risco que elas correm. “Temos várias questões que interferem no sucesso da educação para a prevenção, pois, em nossa cultura, achamos que os acidentes não vão acontecer com a gente, só com os outros. Precisamos alertar pais e responsáveis que pode acontecer com seus filhos o mesmo que aconteceu com os de outras famílias”, alerta.
Jorge Lordello, especialista em segurança, aponta que comportamento dos adultos influencia e serve de modelo para os filhos. “Se você tem uma arma e conversa sobre isso em casa, a criança vai se interessar por armas também”, pontua.
Restrições e melhorias no controle do comércio e posse de armas no Brasil têm sido bastante discutidas nos últimos anos e o Governo Federal tem tomado iniciativas importantes para redução do número de pistolas e revólveres em circulação. Em 2005, a maioria dos brasileiros votou contra a proibição pura e simples da venda de armas e munição em um referendo. Os debates em andamento a partir de então têm ajudado a aumentar a consciência sobre a responsabilidade de se manter pistolas e revólveres em casa.
A campanha de desarmamento deste ano prevê o pagamento de R$ 100 a R$ 300 para quem entregar a arma voluntariamente em um dos postos de recolhimento e garante anonimato. Em 4 meses de campanha, de maio a setembro deste ano, foram recolhidas 22,2 mil armas. Segundo o Ministério da Justiça, o número supera em mais de 20 vezes o total recebido de janeiro a abril pela Polícia Federal, órgão responsável por acolher as entregas fora das mobilizações.
“Desde que começaram as campanhas, as pessoas se estimularam a entregar suas armas. Milhares têm sido recolhidas. É um incentivo receber dinheiro na troca. Eu acredito que está funcionando, sim”, ressalta Lordello. Durante o 4ª Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em março, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou pesquisa indicando que, em São Paulo, a cada 18 armas retiradas de circulação, uma vida é salva.
Alice Ribeiro, coordenadora da área de controle de armas do Instituto Sou da Paz, destaca a importância da participação da criança em programas como este. “Sem dúvida nenhuma o desarmamento funciona. A gente nota que a entrega voluntária de armas surte maior efeito quando as crianças participam. Ter uma arma em casa é uma péssima ideia para toda a família”, destaca.
A Polícia Militar de São Paulo promoveu em abril deste ano a semana do desarmamento infantil, para conscientizar as crianças do perigo das armas de fogo. Na ação, cada arma de brinquedo recebida era trocada, simbolicamente, por um presente.
Quem quiser manter armas em casa, mesmo com todos os perigos, deve seguir recomendações para diminuir o risco de acidentes. “É necessário armazená-las com segurança em local trancado separado da munição”, afirma Alessandra. “É preciso também explicar às crianças que a arma é um objeto que jamais deve ser tocado. Os adultos devem falar claramente dos perigos. Explicar que um acidente é algo que pode acontecer mesmo sem a intenção de ferir ou matar”, completa a psicóloga Miriam.
Armas que mataram crianças recentemente
Não faltam exemplos em todo o Brasil de casos em que crianças mataram ou morreram brincando com revólveres e pistolas deixadas ao alcance da mão por adultos.
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