Falsos médicos são contratados por hospitais públicos e privados que descumprem regras básicas na hora da seleção. Pacientes correm risco de vida com doutores de mentira
Gisele Brito
gisele.brito@folhauniversal.com.br
A carreira de médico é uma das mais difíceis, concorridas e prestigiadas no País e no mundo. Quem veste jaleco branco costuma transmitir uma credibilidade quase inquestionável. Falhas de gestores públicos e administradores de hospitais privados, porém, têm permitido a contratação de falsos médicos, colocando em risco a vida dos pacientes.
No início deste mês, o Conselho Regional de Medicina (CRM) de Pernambuco recebeu duas denúncias de exercício ilegal da profissão. Em uma delas, o falso doutor atuava há mais de 10 anos. Ele chegou a participar da equipe de dirigentes de um hospital.
No primeiro caso, um médico formado em Cuba foi pego atuando com o número de registro de um médico de mesmo nome. Segundo Helena Carneiro Leão, presidente do CRM pernambucano, na Região Norte, em função da proximidade com as fronteiras, muitas pessoas que cursam medicina em outros países, e não poderiam atuar no Brasil sem passar por um curso de adaptação e ter o diploma reconhecido, exercem ilegalmente a profissão.
Apenas 4 dias depois dessa fraude ser descoberta, veio à tona o caso de Leonardo de Moura Cintra, que trabalhou durante 10 anos em hospitais pernambucanos sem ter concluído o curso de medicina. O caso dele é considerado excepcional porque, além de ser bastante respeitado e conhecido, Cintra atuava no Hospital Regional do Agreste, o maior do interior do estado, em Caruaru, e chegou a integrar a diretoria de outro hospital. “Muitas vezes, em cidades pequenas, para resolver um problema ou por falta de profissionais interessados em atuar, os gestores contratam sem muitos critérios, o que é errado. Nesse caso, era um hospital grande, não havia essa pressão. Mas, apesar de ser um hospital público, ele não era concursado. Esse vínculo empregatício precário e a falta de um plano de carreira para os médicos colaboraram para a situação”, explica Helena Leão.
Embora nos dois flagrantes registrados em Pernambuco os falsos médicos tenham frequentado cursos de Medicina, casos assim são menos comuns, segundo José Fernando Vinagre, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Normalmente é só alguém que pendura um estetoscópio no pescoço ou fez 1 ano de enfermagem e sai dizendo que é capacitado para atender”, diz.
Na Paraíba, por exemplo, dois supostos médicos, que usavam números de registros profissionais falsos, foram pegos durante fiscalizações do CRM em fevereiro último. Um deles prescrevia receitas a pacientes com erros grosseiros. Isso, segundo o CRM paraibano, já deveria ser o suficiente para impedir a compra dos medicamentos em farmácias.
Entre 2005 e 2010 o CRM de São Paulo registrou 131 denúncias do mesmo tipo. Mas esse número pode ser ainda maior, já que os conselhos regionais são comunicados apenas quando há, de fato, um médico devidamente registrado envolvido no caso.
Há casos em que a fraude resultou em tragédia. Em meados de 2009, o estudante de medicina Alex Sandro da Cunha Silva foi contratado pela médica Sarita Fernandes para cobrir seus plantões no Hospital Rio Mar, no Rio de Janeiro. Lá, em agosto do ano passado, ele atendeu Joanna Cardoso Marcenal, de 5 anos. Dias depois, a menina morreu de parada cardiorrespiratória. O caso chocou o País. Os dois acusados irão a júri popular, segundo o Tribunal de Justiça. Alex Sandro usava o número de CRM de outro médico. Segundo as investigações, Sarita sabia que ele não era formado e o ajudou a falsificar documentos.
Como evitar a fraude
No caso do doutor de mentirinha Leonardo Cintra, em Pernambuco, a fraude poderia ter sido desmascarada facilmente. Ele usava o registro profissional de uma médica. Os hospitais que o contrataram descobririam isso se tivessem pedido uma certidão de regularidade ou verificado a veracidade do número do registro profissional no site do conselho regional.
Todos os conselhos têm seu cadastro estadual de médicos, que também pode ser acessado por pacientes que queiram se certificar se estão sendo atendidos por um profissional de verdade. “O médico é obrigado por lei a divulgar esse número em todo tipo de divulgação que ele faz, em receitas, propagandas e pedidos de exames”, diz José Vinagre, presidente do CFM. Ele reforça que a responsabilidade para evitar situações desse tipo é dos contratantes.
A prática ilegal da medicina é um delito com pena que varia de 6 meses a 2 anos de detenção, sem contar outras implicações, devido à falsidade ideológica ou em casos de lesão ou morte de pacientes.
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