quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sem direção

Sem direção

Motoristas que matam e saem impunes contribuem para a violência epidêmica no trânsito, que só aumenta no Brasil. Entre as vítimas que sobrevivem, 20% têm sequelas permanentes

Talita Boros

talita.boros@folhauniversal.com.br


Os acidentes de trânsito são os maiores causadores de mortes de pessoas entre 5 e 29 anos no mundo. A cada ano, 1,2 milhão de pessoas morre nas ruas e estradas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O número de feridos está perto dos 50 milhões. Destes, muitos sofrem sequelas graves, como paralisias, amputações e traumatismos.


No Brasil, o trânsito mata mais de 38 mil pessoas por ano. Isso equivale a 100 vidas perdidas por dia. Este ano, as indenizações pagas pelo seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) já ultrapassaram R$ 1 bilhão. Desde 2003, esse valor aumentou 133%. As principais causas são excesso de velocidade, uso de álcool e drogas, sono ao volante e desatenções como falar pelo celular. Para os especialistas, falta punição.


Dirceu Rodrigues Alves, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), diz que no Brasil os crimes de trânsito normalmente têm penas brandas e raramente o motorista responsável é sentenciado à prisão. “Não há punição. Hoje se paga doando cestas básicas. Os crimes são sempre considerados culposos (quando não há intenção de matar)”, afirma. “A questão é que o veículo é uma arma e o motorista desconhece isso, ou ignora”, emenda. Os últimos dados sobre trânsito no País são de 2008 e mostram que as taxas de mortalidade nas ruas em decorrência de imprudência são duas vezes maiores que a de países como o Canadá.


Recentemente, o engenheiro Marcelo Malvio de Lima, de 36 anos, se envolveu no acidente que matou a advogada Carolina Menezes Cintra Santos, de 28 anos, em São Paulo. Lima dirigia um Porsche a mais de 150 km/h, de acordo com a perícia. Segundo o delegado responsável pelo caso, Paul Henry Verduraz, do 15º Distrito Policial, ele deve ir a júri popular e pode responder por homicídio doloso (quando há intenção de matar). Para não ser preso na noite do acidente, o engenheiro pagou fiança de R$ 300 mil.


Outro caso famoso de imprudência é o do ex-deputado paranaense Luiz Fernando Ribas Carli Filho, que em 2009, matou os jovens Gilmar Yared, de 26 anos, e Carlos Murilo de Almeida, de 20, em Curitiba (PR). Com o impacto da batida, o carro dos jovens “voou” por mais de 100 metros. Carli Filho responde a processo em liberdade pelo acidente. Ele dirigia com a habilitação suspensa. De acordo com a perícia do Instituto de Criminalística do Estado, Carli Filho estava alcoolizado e dirigia 167 km/h numa via de velocidade máxima permitida de 60 km/h. Ele deve ir à júri popular ainda este ano, por duplo homicídio com dolo eventual.


Além da imprudência, dois outros fatores concorrem para o número elevado de acidentes fatais: o crédito facilitado e a estabilidade econômica que fez surgir uma nova classe média com sede de consumo. A quantidade de veículos nas ruas do País mais do que dobrou em 10 anos, atingindo a marca de quase 65 milhões no fim do ano passado, informa o Departamento Nacional de Trânsito. Ou seja, há hoje 35 milhões de veículos a mais em circulação, uma média de um carro para cada 2,94 brasileiros.


As internações por lesões de vítimas de acidentes de trânsito custaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) mais de R$ 113 milhões em 2008. Um estudo feito pelo Hospital das Clínicas revela que as vítimas de atropelamento representam mais de 20% das internações, seguidas pelos acidentados com motos, com 19%. Os homens são maioria: 62,9% em atropelamentos e 89,3% nos acidentes com motos.



O administrador Vitor Gurman, de 24 anos, foi atropelado à noite na calçada quando voltava de uma festa no mês passado na Vila Madalena, em São Paulo. Do outro lado estaria a nutricionista Gabriella Pereira, de 28 anos, ao volante de um Land Rover. Ela disse que dirigia o carro do namorado, Roberto de Souza Lima, de 34 anos, porque ele tinha bebido muito. A polícia ainda apura se era Gabriella mesmo que estava ao volante. Vitor foi atingido pela camionete, que capotou, e morreu no hospital. O veículo acumula 26 multas (dez por excesso de velocidade).



Segundo a Abramet, as principais vítimas com lesões permanentes são pedestres e motociclistas. Dados do DPVAT revelam que a indenização para vítimas do trânsito com lesões irreversíveis é a que mais cresce no País. Em 2005, as indenizações por invalidez respondiam por 17% do total de ressarcimentos do seguro. No primeiro semestre de 2010, o percentual subiu para 59%. “Estudo feito em Rio Preto revelou que em 70% dos acidentes na cidade um motoqueiro está envolvido”, diz Marcelo dos Anjos, gerente da Associação Preventiva de Acidentes e Assistência às Vítimas do Trânsito, sediada no interior paulista.


A tecnologia deixou os carros mais seguros, mas também mais velozes, aumentando os riscos. Segundo Johann Gwehenberg, chefe de Pesquisa de Acidentes e Prevenção de Sinistros da Alemanha, o ônibus é o veículo mais seguro, porque os motoristas são treinados e andam em velocidade moderada. “O índice de fatalidade por milhagem é 40 vezes menor do que viajar de carro.” Em 2006, após constatar que a mortalidade no trânsito não caía, a Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu que de 2011 a 2020 será a Década de Redução dos Acidentes. A meta é reduzir em 50% as ocorrências no período. O Brasil aderiu à proposta e está implantando o Plano Nacional de Redução de Acidentes para a Década, que aborda fiscalização, educação, saúde, infraestrutura e segurança veicular.


Segundo Alves, da Abramet, para resolver o problema em curto prazo é necessário rigor. “É preciso fiscalizar e punir duramente quem não cumpre as leis.” Para o especialista, a educação no trânsito precisa começar na infância, abordando atitudes dos pedestres e os perigos dos carros. “Hoje os motoristas são malformados, não sabem nada. Precisamos salvar a próxima geração que vai estar nas ruas”, alerta.


Estados se mobilizam


São Paulo lançou em maio campanha para proteger os pedestres: agentes em cruzamentos sem semáforos auxiliam na travessia. A partir de amanhã, quem invadir a faixa ou pôr pedestres em perigo será multado em até R$ 191,53. Outra medida foi a redução do limite de velocidade para 60 km/h em grandes vias paulistanas. A meta é reduzir os acidentes em 20%.


No Amazonas, a campanha “Amigo Legal”, sobre os perigos da mistura álcool e direção, quer diminuir os acidentes em 10% até o fim do ano. Agentes vão a bares e escolhem uma pessoa do grupo para voltar dirigindo. Eleito, o “Amigo Legal” recebe pulseira e uma blusa da campanha.


O Paraná, o terceiro estado em vítimas fatais, iniciou campanha para os motociclistas em Umuarama. As ocorrências com motos somam 65% do total de acidentes no município.


No Tocantins, com o tema “A Vida é Feita de Escolhas”, o Governo faz blitze educativas, e distribui panfletos sobre dicas de segurança para quem vai pegar a estrada.

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