terça-feira, 2 de outubro de 2012

Cerca de 5 mil adolescentes que moram em abrigos ainda não têm para onde ir.


Prestes a completar a maioridade, cerca de 5 mil adolescentes que moram em abrigos ainda não têm para onde ir. Vivem sob a angústia do "maior abandonado"



Pelo menos 5 mil adolescentes brasileiros convivem com a perspectiva de sair do abrigo sem qualquer amparo legal ao completarem a maioridade, depois de passar a vida, ou parte dela, sob a tutela do Estado. Atualmente, 41.166 pessoas, entre bebês, crianças e jovens estão abrigados. Alguns esperam a adoção, outros, a volta para a família e muitos deles lidam com a incerteza de chegar à maioridade e ter de se sustentar sozinho, já que legalmente o Estado não tem qualquer obrigação de acolher adultos. “Geralmente se desvincula o jovem da entidade e ele vai ter que se virar por meios próprios. O que se busca é que seja preparado”, diz o presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP, Antônio Carlos Berlini.

Se dependesse exclusivamente dos projetos do governo, Josenilton Ferreira dos Santos, que está fora da estatística atualizada em julho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não teria onde morar. Criado em abrigo “desde as fraldas”, como ele mesmo define, aos 20 anos e com a responsabilidade de criar o irmão um ano mais novo e com deficiência intelectual, Santos não está na rua graças ao trabalho desenvolvido pelo abrigo em que cresceu, mantido pela Liga Solidária, organização social sem fins lucrativos. 

Desempregados, Santos e o irmão vivem em um apartamento alugado pela Liga Solidária. Com eles mora um amigo do abrigo que, por ser maior de 18 anos e estar trabalhando, já colabora com as contas da casa, dentro de um projeto que pretende acelerar o processo de autonomia dos jovens. “Nós damos um apoio estratégico até que eles tenham 100% de autonomia, sem um prazo predeterminado para que isso ocorra”, explica o o coordenador dos abrigos da Liga Solidária, Mariano Gaioski.

O valor do aluguel é pago pela Liga e, gradativamente, os rapazes vão assumindo tarifas públicas. As despesas com objetos pessoais ficam com eles desde os tempos do abrigo, segundo Gaioski.

O trabalho de instituições não governamentais é praticamente a única saída para quem completa a maioridade em abrigos. O governo trata apenas como diretrizes para os municípios, e não como uma lei, a responsabilidade pelo acolhimento de maiores de idade por um período nas chamadas repúblicas. No caso de Josenílton, por exemplo, só por estar desempregado ele já não seria aceito em república institucionalizada e cheia de regras, isso porque é de São Paulo, rara cidade que segue a recomendação federal e conta com 37 vagas em seis repúblicas.


“O trabalho dos abrigos é o de acolher e promover a reaproximação dessas crianças com os familiares. A república só vai existir quando a gente falhar completamente na proposta de reintegrá-lo ou fazê-lo ser integrado em família substituta antes dos 18 anos”, declara Valéria Brahim, gerente de programas sociais na organização não governamental Terra dos Homens, que trabalha no Rio de Janeiro com crianças e adolescentes com direitos violados. “Com filhos ou crianças de abrigo deve-se ensinar a ser autônomo desde a infância, o ideal é que o plano político pedagógico seja para a autonomia e não para a tutela”, acrescenta.

Outra opção para quem vive em abrigos é a adoção, o que vai ficando mais difícil conforme a criança fica mais velha. A orientação pública é que as crianças fiquem no máximo por 2 anos no abrigo e a cada 6 meses tenha a situação avaliada por um juiz. Mas, se não houver reaproximação com familiares ou esses seguirem sem condições de acolhimento, o juiz autoriza que ela siga no abrigo. 

Bem estruturados, os abrigos garantem a preservação dos direitos das crianças, mas começam a encaminhar os adolescentes para a vida autônoma quando ele já tem 15 ou 16 anos. Ou seja, em pouco mais de 3 anos o adolescente precisa aprender a ser independente justamente num período de incertezas, própria dessa fase da vida. É nessa época que aprende tarefas domésticas, escolhe e é encaminhado a cursos de qualificação profissional, tenta a inserção no mercado de trabalho e, claro, continua estudando.

“Eu deixei o abrigo como criança de classe média e mimada, bem longe da minha realidade. Lá tinha de tudo e, quando não tinha, iam atrás. Até para a praia a gente ia umas dez vezes por ano. Eu digo que saí como um burguesinho babaca”, comenta Carlos Henrique Francisco, de 24 anos, que morou em abrigo a maior parte da vida e passou por muita dificuldade quando teve de deixá-lo. 

“Quem vive em lar de verdade não fica abalado por qualquer falta de carinho, mas a maioria do pessoal do abrigo sofre de amor possessivo, tem medo da rejeição e se casa na primeira relação. Aí não sabe lidar com a perda, a frustração. Quando eu perdi meu casamento foi assim. A gente começa a questionar nossa existência. Eu vivi todos esses estágios: leva à depressão, ao álcool, à droga, você pensa em suicídio. Muita gente fica pelo caminho. Eu fui me isolar do mundo, mas agora estou bem, faço análise há 2 anos”, relatou o agora educador Carlos Francisco, citando a dificuldade que enfrentou e preocupado com o futuro dos meninos que cuida, já que os vê com mais regalias ainda, em razão das mudanças nas políticas de assistência social, agora com mais garantias para a defesa dos direitos da criança. 

Apesar de se considerar mimado e sem preparo ao deixar o abrigo, Carlos lembra que tinha afazeres a cumprir no período em que foi criado por laristas – hoje substituídos por educadores profissionais – e ainda tem na bagagem diversos cursos de qualificação profissional, como eletricista, encanador, cozinheiro e cabeleireiro. Algo que não vê ocorrer atualmente. “O educador faz tudo para os meninos, que ficam sem vida própria e não têm qualquer obrigação.”

O desafio para educadores, sociólogos e psicólogos, especialmente para quem vai completar a maioridade e buscar independência forçada, passa pela tênue linha entre incentivar a autonomia e respeitar os direitos das crianças – que jamais devem ser exploradas ou trabalhar nos abrigos, apesar de demonstrarem o desejo de ajudar com o trabalho no local que consideram ser sua casa. Por exemplo, como o educador vai proibir a criança de lavar um prato, se esse for o desejo dela? Em uma sociedade na qual jovens criados em lares tradicionais já têm dificuldade para sair de casa e se tornar independente de fato, como acelerar o processo de autonomia?


“Não há uma receita de sucesso que dê certo com todos. Mas nunca perder de vista a provisoriedade da permanência no abrigo, até mesmo para que não se produza comodismo, é um bom começo”, indica Nilson Defaveri, coordenador de projetos do Instituto Dom Bosco, que mantém abrigos para crianças, adolescentes e também repúblicas para maiores de idade em São Paulo.

Defaveri aponta os seguintes pilares para a autonomia dos jovens: independência econômica, política e intelectual. “Queremos jovens capazes de pensar por si mesmos, a agir no espaço público e a adquirir pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material”, afirma.

Além dos trabalhos dentro dos abrigos, a participação da comunidade para a inserção desses jovens na sociedade é fundamental. Diferentemente do que ocorria no passado, quando o abrigo parecia uma prisão, no modelo atual os internos saem para estudar, fazer cursos e têm horário livre, apesar de dever satisfação. Ao sair para um curso de marcenaria, o então adolescente Thiago Costa da Silva, hoje com 29 anos, conheceu Adriana Aragão, um ano mais nova e aluna de confeitaria, com quem se casou e formou família.


Além da abertura para os jovens se integrarem com a comunidade, os abrigos costumam firmar parcerias com empresas para empregar os internos. Os adolescentes que aproveitam a oportunidade podem alçar voos inimagináveis, como o humorista Carlinhos Silva, conhecido como “Mendigo”, que começou como office-boy na rádio Jovem Pan e, além de já ser pai e ter independência financeira, construiu uma carreira de sucesso na televisão. Aos 32 anos, ele integra a equipe do “Tudo É Possível”, da TV Record. 

Mas os casos de sucesso são raros. O humorista, que teve de sair do abrigo ainda menor de idade, dá dicas para quem vive em abrigos. “Não se acomode com o que a lei te beneficia. O negócio é estudar, estudar, estudar, correr atrás e nunca desistir, porque os sonhos são sempre possíveis”, disse, lembrando saber bem que não é brincadeira ter que morar na rua – destino hoje reservado a quem completa 18 anos.

De interno a educador

Carlos Eduardo Francisco, de 24 anos, foi para o abrigo com os irmãos ainda na infância. Chegou a sair para ficar com a mãe, mas  teve de voltar quando a perdeu para o álcool. O pai ele não conhece, mas diz não sentir qualquer rancor dele. Passou a maior parte da vida com os irmãos gêmeos, Luís Henrique e  Fred (28 anos), o caçula Robson (20), e as mulheres Paula (32) e  Graziela (30).  Depois de conviver e ver alguns problemas na família, inclusive com drogas, hoje é educador, faz faculdade de Serviço Social e vive com amigas em uma república particular, onde as despesas são divididas.

A mãe não tinha como criá-lo

Josenílton Ferreira dos Santos, de 20 anos, não sabe exatamente com que idade chegou ao abrigo e não tem qualquer informação que possa levar ao paradeiro dos pais. Tudo que sabe está em seu histórico: tem mais quatro irmãos, três deles no exterior e uma na Bahia.

É nesse mesmo histórico que está a informação sobre a razão que o teria levado a morar em um abrigo. Diz o documento que sua mãe não tinha condições de criar os filhos, nem ele, nem os irmãos. 

Santos conta que já já se comunicou com a irmã que mora na Bahia e pediu ao juiz um contato com os outros irmãos, mas ainda espera por uma resposta.

Orgulho por ter uma família


Thiago Costa da Silva tem 29 anos e cresceu com o irmão Felipe, um ano mais novo. Ele não sabe nem nunca demonstrou interesse em saber as origens da família ou quem são seus pais. Amparado em abrigo desde a infância, aproveitou oportunidades em cursos profissionalizantes, onde, aos 14 anos, conheceu Adriana, com quem se casou aos 23 anos. Depois de passar por um tempo em uma espécie de república, com o irmão e amigos, casou-se e comprou um apartamento no Jardim Arpoador, zona sul de São Paulo. Hoje, ele tem duas filhas.  “Quero o melhor para elas. Todo o carinho e o afeto que não tive jamais vão faltar para elas”, garante.

Da vida real para o sucesso na TV


Depois de morar na rua e passar por unidades da antiga Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), Carlinhos Silva foi para o abrigo aos 7 anos. Arteiro e brincalhão, fez “tudo que é curso para ver se ficava mais calmo”. Hoje, aos 32 anos, acha que a experiência foi superpositiva e não concorda com as regalias que vê atualmente para as crianças quando visita o abrigo. Pai de Arthur Henrique, de 1 ano e 2 meses, e separado da mulher, Carlinhos avisa que nunca vai desistir de ficar perto do filho. 

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