segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Como pagar suas dívidas?



Ao contrário do que deveria ocorrer, as linhas de crédito estão deixando brasileiros endividados. Quase metade da população gasta mais do que recebe, aponta um levantamento do Ipea

A professora de espanhol Piedade Soares, de 30 anos, e o designer Renato Costola, de 27 anos, são casados desde 2007 e dividem os gastos de um apartamento em São Paulo. Há um ano, Costola trocou de trabalho e a renda do casal caiu para R$ 2,5 mil. Começaram a usar o cartão de crédito. Um empréstimo foi feito para pagar a dívida. O problema, agora, são as parcelas do empréstimo. A dívida foi para o cheque especial e o nome de Costola está na lista dos serviços de proteção ao crédito.

O casal faz parte das estatísticas que apontam o aumento no endividamento no País. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em julho, mostrou que 47% dos brasileiros têm dívidas. Para 14% das famílias, o débito corresponde a mais de 5 vezes a renda mensal. A inadimplência registrou alta de 19,1% no primeiro semestre de 2012, segundo a Serasa Experian. O descontrole nos gastos e a inexperiência do consumidor contribuíram para o problema, de acordo com o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida. "O crédito deve oferecer qualidade de vida, não pode ser um transtorno. O brasileiro se endividou acima da capacidade de pagamento", avalia.

Piedade e o marido estão tentando reorganizar os gastos. Ele terminou os estudos e foi promovido. Ela faz pós-graduação e passou a ganhar mais. "Anoto o dinheiro que entra e as contas a pagar. Tudo que sobra vai para a dívida", brinca Piedade, que passou a fazer uma tabela de despesas. (veja abaixo como organizar as finanças a dois).

A falta de experiência levou Yago de Souza, de apenas 19 anos, a uma dívida de mais de R$ 2 mil. Até julho de 2011, ele pagava a faculdade e fazia compras no cartão de crédito com o salário de auxiliar administrativo. "Quando fui demitido, não tinha dinheiro e continuei usando o cartão", conta. Hoje, ele voltou a trabalhar. "Vou limpar meu nome para recomeçar a vida, quero voltar a estudar."

O especialista em finanças pessoais André Massaro explica que o cartão de crédito não é o vilão da história. "O segredo do equilíbrio financeiro é gastar menos do que você ganha", afirma. Ele lembra que o cartão é uma boa forma de pagamento, mas pode dar a falsa sensação de que o usuário tem sempre dinheiro disponível. "A pessoa esquece de somar os gastos. É importante separar o valor da renda que pode ser usado com o crédito", ensina Massaro. Segundo Almeida, da Serasa, é bom não comprometer mais de 30% da renda com dívidas. Ou seja, quem ganha R$ 622 por mês pode usar, no máximo, R$ 186 em compras parceladas. Mesmo assim, cada pessoa deve analisar suas necessidades.

A recepcionista Lusinete Natividade, de 45 anos, aprendeu a lição. Há 20 anos, ela chegou a dever para duas operadoras de cartões. "Não sabia como funcionavam os juros", conta. Ela tomou uma atitude radical e ficou 10 anos sem usar cartão. "Sofri para me acostumar, mas fiz uma reeducação."

André Massaro destaca a importância de mudar os hábitos de consumo. "Não adianta pagar a dívida e continuar gastando como antes", diz. O professor universitário Ricardo Matheus, de 24 anos, sabe como usar as vantagens oferecidas pelo cartão de crédito. Ele tem três cartões que oferecem pontos para serem trocados por benefícios. "Vou viajar de graça para Nova York em outubro", diz ele, que já ganhou ingressos para filmes e shows.

Perspectivas

Apesar da inadimplência alta atualmente, o número não deve crescer nos próximos meses. Um indicador da Serasa Experian mostrou que, após subidas constantes, a inadimplência deve se estabilizar e começar a cair neste semestre. "O consumidor vai renegociar dívidas e priorizar os pagamentos atrasados", explica Almeida.

Já uma pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), apontou redução no nível de comprometimento da renda com dívidas. Segundo o estudo, apesar do aumento de 6,39% no número de famílias endividadas entre 2010 e 2011, a renda também cresceu 11,7%. Ou seja, o brasileiro conseguiu gastar um pouco mais, sem comprometer uma parte maior da renda.

A auxiliar administrativo Marisa Justino, de 48 anos, fazia compras em uma loja quando acabou adquirindo o cartão do estabelecimento, após insistência da vendedora. Ela parcelou a conta e, um mês depois, descobriu que a primeira fatura cobrava serviços que custavam mais de R$ 30. Marisa reclamou: "O responsável disse que o valor era referente a um seguro e, como eu havia assinado o contrato, teria de pagar". A supervisora de assuntos financeiros do Procon de São Paulo, Renata Reis, alerta que o consumidor deve evitar a contratação de serviços por impulso. "Nunca assine um documento na hora, peça o contrato, analise e volte outro dia", ensina.

Das reclamações recebidas pelo Procon-SP no segundo semestre de 2011, 67% estavam ligadas a cobranças indevidas e a contratos de cartões. Renata fala sobre a importância de conferir o valor da fatura antes do vencimento. Em último caso, um dos órgãos de defesa do consumidor deve ser acionado. O envio de cartões sem solicitação também é ilegal. "Exija o cancelamento", aconselha.

A Defensoria Pública de cada Estado também pode solucionar problemas com cartões e empréstimos. O defensor público Horário Xavier, de São Paulo, informa que os cidadãos devem ter em mãos todos os documentos relacionados a débitos no ato da queixa. "O contrato é analisado e, se houver cobrança de taxas ou juros abusivos, nós entramos com ação judicial."

Parceria organizada


Muitos casais levam meses organizando festa de casamento, chá de cozinha e lua de mel. Poucos, no entanto, reservam um tempo para discutir as finanças do novo lar. Marcos Silvestre, educador financeiro e autor do best-seller "12 Meses para Enriquecer" (Ed. Lua de Papel), lembra que os parceiros devem fazer juntos o planejamento do dinheiro. "Eles precisam traçar um orçamento de comum acordo, detalhando as principais despesas", ensina.

O escritor recomenda que os gastos conjuntos, como aluguel e conta de luz, sejam pagos pelos dois, mas de forma proporcional ao salário de cada um. (veja exemplo acima) "O mais importante é buscar equilíbrio e harmonia duradouros, assim nenhum dos parceiros será onerado além do que pode suportar." Gastos individuais, como cabeleireiro e roupas, podem ser pagos separadamente, diz Silvestre.

Ele aconselha que o casal tenha uma conta conjunta para que cada um deposite sua parte para as despesas. O parceiro mais organizado assume a responsabilidade de fazer pagamentos, conferir extratos e guardar todos os documentos. "O ideal é que o casal converse uma vez por mês sobre a vida financeira e as possíveis mudanças no orçamento."

Compulsão por compras

Desde pequeno, João (nome fictício), de 31 anos, fazia compras por impulso, mas o hábito virou um problema na fase adulta. "Todos os dias, comprava coisas que não precisava". Em 3 anos, ele acumulou uma dívida de R$ 40 mil que não conseguia pagar.

Há 4 anos João frequenta as reuniões dos Devedores Anônimos, grupo que reúne pessoas que têm em comum a compulsão financeira, mas ainda não está curado. "Estou em tratamento."

A especialista em consumo compulsivo do Hospital das Clínicas de São Paulo, Tatiana Filomensky, explica que a compulsão por compras (ou oniomania) pode estar ligada a fatores emocionais. "O comprador busca prazer e alívio para ansiedade, raiva e angústia." O tema foi abordado na comédia "Delírios de Consumo de Becky Bloom" (foto), em 2009: Rebecca (Isla Fisher) é uma jornalista endividada que se torna colunista de finanças e passa a fugir de credores e do passado de consumo sem limites. Na vida real, a jornalista Mara Luquet chegou a falir. No livro "Tristezas Não Pagam Dívidas" (Saraiva), ela conta como recuperou a saúde financeira.

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