domingo, 15 de abril de 2012

Exagero nada infantil


Para que o filho seja o mais forte, o mais belo ou o mais inteligente do mundo, pais ultrapassam todos os limites e colocam a saúde física e psíquica das crianças em risco

O ser humano nasce puro, mas os adultos já começam a estragar as crianças impondo desejos, forma de pensar e ideias. Os pais querem impor seu ideal e atropelam o desenvolvimento natural. Na infância, as crianças têm de brincar, sonhar, fantasiar e viver o mundo delas", analisa a psicopedagoga e psicanalista Edna Priolli, estarrecida diante da pressão absurda praticada por alguns pais, que para criar o filho mais belo ou o mais forte do planeta praticam aberrações mundo afora.


Os irmãos romenos Giuliano Stroe e Claudiu Stroe são exemplos de uma criação obsessiva. No caso deles, o pai, Iulian Stroe, ensina exaustivamente o ofício de levantar pesos desde que ambos eram bebês. Giuliano é o mais velho e, aos 5 anos, entrou para o Livro dos Recordes como a criança mais forte do mundo. Imagens de alguns treinos do garoto, que hoje tem 7 anos, estão disponíveis na internet e mostram o esforço que ele faz em cada atividade para poder exibir um corpo com os músculos bem definidos –imagem um tanto assustadora. O irmão caçula, 2 anos mais novo, segue os mesmos passos e também já exibe uma massa muscular invejável para muito marmanjo fã de academia. Mas esse tipo de atividade representa um enorme risco para a saúde dos dois no futuro.


"Não é recomendável que criança na pré-puberdade levante peso e ganhe massa muscular por uma questão hormonal. A criança não tem testosterona para fazer o crescimento muscular, não responde adequadamente e a musculação pode colocar em risco articulações, ligamentos, ossos, além de sobrecarregar o coração e causar alteração na pressão arterial", afirma o médico e fisiologista do Clube Pinheiros, de São Paulo, Paulo Zogaib. Para ele, não há uma idade ideal para a criança iniciar a prática esportiva, desde que a modalidade e as regras se adaptem a ela. "Fazer o gesto do arremesso ou do arranco, movimentos do levantamento do peso, pode ser interessante, mas não com peso: pegue um bastão de madeira, sem peso, e simule o movimento. Isso irá trabalhar a coordenação motora. Pode ser também futebol com bola pequena, vôlei com bexiga e tênis com raquete menor", orienta.


No entanto, a dica do especialista é exatamente oposta ao verificado no caso das irmãs ucranianas Varya e Barbara Akulova. O pai delas, Yuriy Akulov, foi um profissional do circo e também se dedica a fazer de suas filhas as mais fortes do mundo. Mas o ucraniano usa métodos ainda mais radicais. Enquanto na família Stroe os exercícios começaram aos 2 anos de idade, as filhas de Yuriy já levantavam pequenos sacos de arroz desde que começaram a engatinhar, segundo declaração do próprio pai ao "Discovery Channel".



A filha mais velha, Varya, que hoje tem 20 anos, também entrou para o Livro dos Recordes, na adolescência. Aos 14 anos e com 40 quilos, ela levantava o equivalente a 400 kg, o equivalente a 10 vezes seu peso. A irmã Barbara, atualmente com 12 anos, segue seus passos, e o futuro de ambas, segundo o pai, é competir no levantamento de peso. "Eu criei as minhas filhas com um propósito e esse objetivo foi traçado desde que nasceram. Minhas filhas têm objetivo na vida e concordam com isso", afirma Yuriy.


Dar um objetivo à vida e traçar metas e desafios para os filhos, como forma de supostamente contribuir na educação, também têm levado pais a situações bizarras, como a vivenciada pelo chinês He Liesheng. Durante as férias, no último mês de fevereiro, em Nova York (EUA), o empresário fez questão de deixar o filho Ho Yide, de apenas 4 anos de idade, só de cueca na rua, enquanto nevava a uma temperatura de 13 graus negativos. Nem quando o garoto foi às lágrimas e pediu um abraço, o pai cedeu. "Eu ajudo o meu filho forçando-o a desafiar limitações e superar as suas próprias expectativas. Isso foi só um presente de Ano Novo", explicou Liesheng, brincando, depois de ser questionado pelo jornal "China Daily". O pai disse que desde que Yide nasceu faz natação, caminhada e corrida, com horários rígidos. Liesheng criou tais exercícios para "fortalecer o filho", que nasceu prematuro.


O caso repercutiu negativamente na imprensa mundial e fez lembrar os métodos de Amy Chua, norte-americana descendente de chineses, autora do livro "Grito de Guerra da Mãe Tigre", em português. A publicação que já é vendida no Brasil indica que para disciplinar as crianças é permitido chamar seu filho de lixo, exigir apenas notas 10 no boletim e vitórias em competições esportivas e proibir brincadeiras. Segundo ela, essa educação rígida explica o sucesso dos chineses no cenário internacional.


Os bem-sucedidos chineses também são vistos na área esportiva. Mas o método utilizado pelos treinadores do país é questionável. Para se transformar em potência olímpica, uma obsessão desde que ganhou o direito de sediar os Jogos de Pequim, em 2008, muitas crianças passaram a treinar exaustivamente para competições como maratona, ginástica e tênis de mesa, por exemplo.


Imagens de pequenos ginastas chineses forçando o corpo ao extremo, chorando durante o treino e até sendo agredidos por técnicos chocaram o mundo. As crianças já começam uma vida competitiva nos primeiros anos de vida, passam a ser treinadas para determinada modalidade, sem que elas sequer tenham experimentado outras atividades.



Segundo Zogaib , o importante é a criança provar diversos tipos de esporte, sem nenhuma pressão. "O interessante é a criança ter vivência motora e optar pelo que mais gosta com 10 ou 12 anos. Esse ganho de aprendizado motor anterior vai ajudá-la no que escolher e ela vai ser uma atleta mais coordenada do que a que se especializou desde cedo e ficou limitada", indica o médico, que ainda alertou para o problema emocional causado pelo excesso de competição desde a infância: "O sujeito não vai suportar 20 anos competindo".


Mesmo diante de exemplos condenáveis, como dos atletas chineses e das crianças mais fortes do mundo, o fenômeno dos atletas mirins não para de crescer e a bola da vez, inclusive no Brasil, são as lutas. Prática comum na Tailândia e na Inglaterra, onde competições violentas com crianças sem proteção já foram questionadas, alguns pequenos lutadores estão sendo preparados pelos próprios pais, que, de forma irresponsável, desejam ver seus pupilos brilhando futuramente na nova febre do suposto esporte mundial, o MMA, competição brutal para especialistas em diferentes artes marciais.

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