sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Livre para rezar

Vaticano “pune” com orações padre acusado em dez casos de abuso sexual em Nova York. Igreja Católica faz de tudo para esconder o escândalo há 4 anos. Instituição isola Wallace Harris e diz que o mantém sob severa vigilância em local não revelado

Da redação

redacao@folhauniversal.com.br


Acusado de abusar sexualmente de pelo menos dez crianças nos anos 1980, quando era professor de uma disciplina religiosa no colegial da escola West Side, no bairro de Upper West Side, em Nova York, Estados Unidos, o padre católico Wallace Harris, de 64 anos, recebeu do Vaticano, na última semana, a seguinte sentença: oração e penitência para toda a vida. A Igreja Católica não admite o problema, mas deixa transparecer o incômodo. Não coloca Harris como culpado, porém o trata desta maneira. O pároco jamais falou à imprensa desde que o caso veio à tona, há 4 anos, e hoje vive em uma propriedade da instituição jamais revelada, e, garantem, constantemente vigiado durante o seu dia.


Joe Zwilling, porta-voz da Arquidiocese de Nova York, disse ao jornal americano "Daily News" que o Vaticano não costuma dar explicações sobre suas sentenças. Afirmou também que a punição de Harris foi branda. Ele argumentou que, às vezes, leva-se em conta doença ou idade avançada.


"A sentença não protege crianças vulneráveis nem ajuda a cicatrizar a ferida de adultos que sofreram abuso. Mais uma vez a Igreja Católica gastou tempo, dinheiro e recursos nos predadores e não nas vítimas ou potenciais alvos. A igreja promete repetidamente ser honesta e transparente, mas infelizmente faz apenas promessas vazias", diz Barbara Dorris, diretora da Snap (sigla em inglês para rede de sobreviventes para pessoas que sofreram abuso de padres).


Desde agosto de 2008, quando surgiram as duas primeiras acusações, a Igreja Católica faz de tudo para reduzir o impacto do escândalo. Naquele mesmo mês afastou Harris de suas atribuições de padre e da Igreja St. Charles Borromeo, no Harlem, em Nova York, onde era o pároco responsável desde 1989, com bastante popularidade.


Dois anos depois, em setembro de 2010, mais uma vez sem explicações, veio a notícia de que se aposentara. Agora, diante da última sentença, Harris, que já ocupava a mais alta posição na hierarquia da Arquidiocese de Nova York, cotado para ser o próximo bispo – famoso por recepcionar o papa Bento XVI –, além de privado de sua função, sequer pode se apresentar como um ex-padre.


"A Igreja Católica nunca admite que há culpados entre eles. Tudo é sempre secreto e misterioso. Querem evitar qualquer escândalo, manter em silêncio. E nada que possa afastar os fiéis, interromper o fluxo de dinheiro no caixa", explica Robert Hoatson, ex-padre católico, abusado sexualmente quando aluno de seminário e hoje líder da organização Road to Recovery, que ajuda vítimas de abusos sexuais de membros da Igreja Católica (leia entrevista no fim da página).



A promotoria pública soube do caso pela própria Igreja Católica, que foi quem recebeu a primeira denúncia e a encaminhou, lavando as mãos. A segunda surgiu durante as investigações. Graças ao vazamento dos episódios, apareceu a terceira, de um policial aposentado de Nova York, o único a revelar seu nome: Eric Crumbley. "Harris manipulava situações para que parecessem inocentes, todos os dias tentando aproveitar seu posto para criar qualquer desculpa e me tocar de maneira inapropriada", contou Crumbley, em carta à Arquidiocese. "Você pode fazer coisas ótimas, mas isso não nega o fato de ser um pedófilo", concluiu.


As palavras de Crumbley provavelmente estimularam novas denúncias contra Harris – hoje há pelo menos dez. Mas não o suficiente para sensibilizar os promotores, que desde o início dizem que esse tipo de crime prescreve 5 anos depois de consumado. E, como todos ocorreram na década de 1980, não há nada que possa ser feito. "Esta lei é velha demais, deveria ser alterada", diz Hoatson, que, como ex-padre, parece saber bem o que acontece nos bastidores.


"O Vaticano deveria contar a verdade e ser sempre honesto"


Vítima de abuso sexual na adolescência em seminário, Robert Hoatson foi padre católico por 15 anos. Hoje dirige uma entidade de apoio a pessoas que passaram pelo mesmo problema. Confira a entrevista exclusiva dada à Folha Universal.


O que você achou da sentença do Vaticano para o padre Wallace Harris?


A decisão do Vaticano é absurda. Está claro que Wallace Harris abusou de muitos meninos. E eles sabem disso há muito tempo. Estou trabalhando com uma das vítimas, inclusive, que ficou realmente incomodada e irritada ao saber da decisão, que não foi a correta. A maioria das pessoas não consegue falar sobre o problema, cerca de 90%. Estamos lidando com apenas 10% dos que tiveram a coragem de vir a público. O mais triste é que, quando têm a coragem de fazer isso, são rejeitadas. A questão persiste. E a ajuda às vítimas de abuso sexual? A Igreja Católica nunca leva em consideração as vítimas, jamais ajuda as vítimas.


A Igreja Católica não ajuda as vítimas de abuso sexual de alguma maneira?


Eles dizem que têm grupos que cuidam disso, mas esses grupos não existem. Só ajudam mesmo quando forçados.


Não há a admissão de culpa. Por que a Igreja Católica insiste nessa postura?


Quando acontece um escândalo, a Igreja Católica tenta minimizar o máximo possível. Se não funciona, mandam o caso para o Vaticano. É como se dissessem: "Estamos cuidando disso". E aí demoram anos, o processo se arrasta, até que as pessoas esqueçam. E quando não esquecem, decidem colocar os culpados para rezar mais e mais. E mostram isso ao mundo, como se dissessem: "Vejam, não é maravilhoso como resolvemos tudo?" As pessoas gostam do poder, querem manter o poder. O papa tem todo o poder do mundo e não quer largar. É como uma droga.


E o que deveria ser feito?


A Igreja Católica deveria contar a verdade e ser sempre honesta. Além disso, deveria acabar com o celibato, que não é algo natural. E ordenar mulheres. Com as mulheres participando, não teríamos esse tipo de problema.


O Vaticano sabe da organização?

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