terça-feira, 16 de agosto de 2011

Somália sente fome

Somália sente fome

Na pior seca dos últimos 60 anos, 29 mil crianças morreram de fome na Somália. Na região conhecida como Chifre da África, crise alimentar já atingiu 12 milhões

Raquel Maldonado

raquel.maldonado@folhauniversal.com.br


Aproximadamente 29 mil crianças com menos de cinco anos de idade morreram de fome na Somália nos últimos três meses, segundo estimativas do governo dos Estados Unidos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), trata-se da mais severa crise alimentar dos últimos 20 anos no Chifre da África, região em que estão o Quênia, Etiópia, Somália e Djibuti (veja mapa ao lado). A fome está relacionada à pior seca dos últimos 60 anos, que atingiu mais de 12 milhões de pessoas nos quatro países. Ainda que toda área tenha sido atingida, a situação é especialmente difícil na Somália, onde quase metade da população – 3,7 milhões de pessoas – precisa de assistência humanitária.


Até agora, cinco regiões do país tiveram decretada epidemia de fome, que, de acordo com a ONU, é caracterizada quando dois adultos ou quatro crianças a cada 10 mil pessoas morrem de fome a cada dia e 30% das crianças estão seriamente desnutridas.


Além da seca, a fome entre os somalis é decorrência de uma guerra civil que devastou o país, governado desde o início dos anos 90 por milícias. A violência crônica, associada à seca, resultou em deslocamentos de mais de um quarto da população somali. Neste ano, mais de 160 mil fugiram para países vizinhos, enquanto cerca de 1,5 milhão de pessoas se deslocaram internamente, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur).


Tendo em vista a gravidade da situação, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) pediu na sexta-feira passada (5) uma ação conjunta urgente de toda a comunidade internacional. “Como a fome se espalhou e ameaça invadir toda a região, uma ação imediata é necessária para salvar as vidas e o sustento de milhões de pessoas que vivem no Chifre da África”, disse a FAO em comunicado.


Para isto, serão necessários US$ 2,4 bilhões (ou R$ 3,9 bilhões). Até o momento, os doadores disponibilizaram US$ 1 bilhão (R$ 1,6 bilhão), menos da metade do necessário.



Desafio


A crise no Chifre da África é o mais recente episódio da luta mundial de combate à fome, que, a partir de 2012, será comandada pelo brasileiro José Graziano da Silva, de 61 anos. Logo que foi eleito diretor-geral da FAO, em 26 de junho, em seu primeiro discurso Graziano mostrou-se otimista e afirmou acreditar que erradicar a fome é possível. “Estou convencido, com base em minha experiência no Brasil e em outros países, que erradicar a fome é uma meta razoável e alcançável”, disse o agrônomo e economista, que ocupa desde 2006 o cargo de subdiretor-geral da FAO e representante regional para América Latina e Caribe.


Agora, em meio ao agravamento da crise no Chifre da África, já não tão otimista, Graziano disse, durante entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty, em Brasília, reconhecer que o órgão não está dando conta de controlar a situação na Somália. “O nosso diagnóstico é de que o alerta foi dado em tempo: há dois anos a FAO tem rememorado as dificuldades da região, que passou por uma seca de um ano, que se repetiu no segundo. Mais uma vez nós patinamos na hora de efetivar a ajuda”, assumiu o agrônomo.


Antes de ir para a FAO, ele coordenou a elaboração do “Fome Zero”, que serviu de base para o lançamento do exitoso programa “Bolsa Família”, uma das políticas públicas decisivas para tirar mais de 20 milhões de brasileiros da pobreza.


Seu principal desafio agora é ajudar os países a cumprir a Meta do Milênio da ONU, de reduzir pela metade o número de pessoas com fome até 2015. “Creio que muitos países pobres não poderão fazê-lo, principalmente os menores, onde muitas vezes as necessidades e urgências são maiores”, afirmou em entrevista à agência de notícias “France Presse”. A estimativa mais recente da FAO é terrível: o mundo tem cerca de 1 bilhão de famintos.


Na opinião de André Spitz, presidente do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep), mesmo que Graziano não consiga acabar com a fome no mundo até o final do seu mandato, em 2015, os primeiros passos já poderão ser dados. “Acredito que ele tem todas as condições de começar esse processo e fazer com que a questão da fome no mundo comece a ser tratada como uma prioridade. Temos recursos para isso. O mais difícil é conseguir o comprometimento de todos os países, principalmente dos desenvolvidos”, aponta.


O orçamento da instituição para o período de 2012 a 2013 será de cerca de R$ 1 bilhão, além de contribuições voluntárias dos países que integram o órgão. Para Jorge Abrahão, diretor de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apesar de o Brasil ter muita pobreza, é um país muito rico e com estrutura também, por isso houve sucesso no combate à miséria. “O orçamento da FAO é muito baixo e o Graziano vai se deparar com países muito diferentes. Não será preciso apenas montar programas de transferência de renda. Em alguns países, a FAO precisará começar do zero e montar as estruturas básicas para que o projeto funcione. Isso sem falar da corrupção”, avaliou.


Dentre os desafios que Graziano assumirá, ajudar a Somália talvez seja o principal.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

MACACO LADRÃO PM 1