segunda-feira, 13 de julho de 2009

RUAS GELADAS



Ruas geladas

Por Daniel Santini daniel.santini@folhauniversal.com.br Quando se dorme na rua, o frio sobe do chão. Mesmo com o papelão colocado para isolar e afastar o piso duro e gelado, fica difícil aquecer as costas. A sensação é de pressão constante na base do quadril. Insuportável. Quando a temperatura diminui muito, o frio torna-se perigoso. A perda de calor pode levar até à morte. Primeiro, o corpo reage com tremores e espasmos. Uma tentativa involuntária natural de aquecimento. Depois, pés e mãos começam a ficar cinzentos ou arroxeados e vem uma combinação de confusão mental e sonolência. Por fim, o coração diminui o ritmo lentamente até parar. A morte pelo frio, a chamada hipotermia, é comum nas ruas das capitais mais ricas do Brasil. Neste ano, antes mesmo da chegada do inverno, que começou em 21 de junho, pelo menos uma pessoa sem moradia não resistiu às baixas temperaturas. João Maria Fortunato Alves, um homem de 47 anos, que vivia nas ruas de Curitiba (PR), não suportou a madrugada abaixo de zero, do dia 4 de junho, e morreu. Com a chegada do inverno, a queda acentuada de temperatura nas próximas semanas pode trazer consequências trágicas. Sebastião Nicomedes, morador de rua de São Paulo e escritor, enviou uma carta-aberta cobrando providências à Prefeitura, no mês passado. "Nos albergues e nas moradias provisórias, os cobertores andam mais finos que lençol de burguês. E nas ruas, quem quiser comprovar, é só andar à noite e observar as pessoas dormindo quase dentro das fogueiras que acendem com caixas de tomate, alho e paletes, prestes a morrerem queimadas", escreveu . De acordo com Anderson Lopes, do Movimento Nacional de População de Rua, em vez de programas de moradia ou reabilitação de dependentes, as autoridades concentram esforços em ações repressivas para tentar expulsá-los de áreas nobres. "Antes, era só de noite, agora acontece de dia. Jogam água, tomam os cobertores, o papelão, tudo", denuncia. "O povo também tem direito, também contribui para a cidade. Argumentam que quem está na rua não paga impostos. E o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)? Ao comprar um cigarro ou um pão, eles também pagam", defende. Simone Gonçalves de Araujo, de 49 anos, que passa o dia cuidando do lar improvisado em um canteiro do viaduto Pacaembu, em São Paulo, enquanto o marido busca material reciclável no lixo, conta que já perdeu tudo várias vezes."O 'rapa' da Prefeitura chega e recolhe tudo. Não deixam nem cobertor, nem colchão, nada. Agora no frio eles têm passado menos vezes, mas é sempre difícil", diz a mulher. "O Julião, meu cachorro, não pode ver o pessoal, que avança. Eu tenho que segurar", conta. Simone não sai em busca de latinhas e papelões porque foi atropelada com uma carroça e hoje tem dificuldades em caminhar. O osso da perna é torto na canela: "No frio dói demais."Proibido ser pobre No Rio de Janeiro, a política oficial da prefeitura é simples e direta. Como parte de um programa que ficou conhecido como "Choque de Ordem", as pessoas são recolhidas e retiradas das áreas nobres. Para diminuir a resistência dos que insistem em dormir em bairros como Copacabana ou Ipanema, o secretário municipal de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, proibiu que órgãos assistencialistas distribuam alimentos para quem está nas calçadas. "Em operações, muitos se recusam a seguir para os abrigos porque não querem perder a hora do sopão", diz o secretário. Em São Paulo, além das denúncias constantes de violências por parte de autoridades, os movimentos sociais reclamam também do que chamam de "política higienista", estratégia semelhante à do Rio de Janeiro, baseada na ideia de se "limpar" o Centro dos pobres. Citam que, recentemente, dois albergues foram fechados na área, um no Glicério e um na Bela Vista, no que seria parte da estratégia de se manter os pobres na periferia. Ao mesmo tempo, foram criados Centros de Convivência, tendas em que, a partir de agora, devem ser ordenadas ações de ajuda como entrega de alimentos e roupas, de grupos de caridade. "Eles estão substituindo albergues por tendas. Não há camas, nada. Parece um circo e nós ficamos de palhaços", reclama Robson Mendonça, do Movimento Estadual da População de Rua. A assessoria de imprensa da secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Alda Marco Antonio, que acumula o cargo de vice-prefeita, nega a substituição e diz que os albergues foram fechados porque ofereciam "condições insalubres". Segundo a secretaria, "os usuários foram transferidos" e "nenhuma vaga foi fechada". Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo e diversas outras capitais, ações como essa têm como base a ideia de que quem está na rua é acomodado, tem vida fácil e não gosta de trabalhar. O que não é verdade, de acordo com estudo da pesquisadora e assistente social Maria Lucia Lopes da Silva, da Universidade de Brasília. Autora do livro "Trabalho e população em situação de rua no Brasil", ela reuniu dados que indicam que a maioria tem profissões e que, mesmo na rua, muitos trabalham. O fenômeno, explica, está ligado ao desemprego, que, na crise atual, tende a se agravar. A especialista alerta que é um problema complexo e que não há soluções fáceis. "As pessoas precisam ser acolhidas, não recolhidas", diz. Programas de moradia, reabilitação e tratamento para dependentes de álcool e drogas, além de abertura de vagas de trabalho, estão entre as políticas que deveriam ser adotadas. "A maioria se envolve com álcool, drogas ou crime porque está na rua e não o contrário", diz, com base nos dados que reuniu. "Trata-se de uma estratégia de sobrevivência mesmo. No frio, muitos bebem para suportar a noite."

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