terça-feira, 1 de junho de 2010

Dor de mãe



maria aparecida de oliveira menezes - Dor de mãe -
Por Daniel Santini daniel.santini@folhauniversal.com.br Thiago de Oliveira Menezes, de 3 anos, no colo da mãe, pergunta onde está o pai. Não se conforma em ouvir que ele está com “Papai do Céu” e insiste em saber quando ele voltará do trabalho. A cena incômoda virou rotina na casa de Maria Aparecida de Oliveira Menezes, “dona Cida”, avó de Thiago e mãe do motoboy, manobrista e atendente de padaria Alexandre Menezes dos Santos, de 25 anos, morto por quatro policiais militares (PMs) na porta de casa, em 8 de maio, na zona sul da capital paulista. Cida, que viu os quatro quebrarem o pescoço e baterem a cabeça do filho na calçada às 3h30, quer mudar de casa. Os PMs foram presos. Ela passou a tomar remédios, tem acordado assustada e chora ao contar como Alexandre morreu. Mesmo assim consegue falar em esperança e diz que, agora, pretende lutar para evitar que outras mães passem pelo que passou.
1 – O que aconteceu no dia 8 de maio? O Alexandre sempre chegava mais tarde na sexta-feira. Depois do trabalho ficava com amigos. Naquele dia eu estava agoniada, demorei para dormir. Por volta das 3h30 acordei com barulho de sirenes e meu filho gritando: “Ô, mãe!” Quando abri a cortina tomei um susto. Os policiais estavam dando tapas no rosto dele. Desci descalça, de pijama, gritando: “É meu filho. Ele mora aqui.” Eles continuaram batendo e ameaçaram me prender se eu não parasse de gritar. O Alexandre dizia que não devia nada e que deviam soltá-lo.
2 – E aí o mataram? Quando três estavam segurando ele, outro o enforcou. O olho do meu filho abriu e tenho certeza que foi naquela hora que o pescoço quebrou. Quando ele caiu eles ainda bateram a cabeça dele no chão. Bateram mais. Um, com o pé, o virou e falou que ele só tinha desmaiado, mas eu sabia que ele tinha morrido. Quando o pescoço quebra, a cabeça fica mole, parece com pescoço de galinha. Eles o jogaram na viatura.
3 – O que você fez? Eu só pulava. Estava com medo de gritar, já tinha gritado tudo. Até meu cunhado, que mora duas ruas depois, escutou. Ele pensou que era um traficante matando alguém, nunca ia imaginar que era um PM matando o sobrinho dele. Eu pulava e um deles me perguntou se ia ficar “feito canguru”. Um vizinho gritou, mas o que estava de guarda apontou a arma e o ameaçou.
4 – Por que isso? Com certeza eles pensaram que a moto não era dele. Ela era nova, por isso estava sem placa. Ele não parou porque se sentiu mais seguro em frente de casa. Não pediram documento, nada. Depois falaram que ele estava na contramão. Aqui não tem contramão. Falaram que acharam uma arma com ele no hospital. Ele nunca teve arma. Aqui em casa tem filho e sobrinho para lá e para cá. Como é que ia ter arma? Mais tarde o delegado perguntou como a arma não caiu se o espancaram por mais de 20 minutos. Caiu carteira, celular e a arma não? Até isso foi mal feito.
5 – Como foi na delegacia? Quando eu e minha nora chegamos, um PM falou que ele tinha caído da moto. Eu tinha visto a cena. Fomos até o hospital e os que o mataram estavam lá. A gente foi falar e um deles fumava e respondia de modo irônico. Soprou fumaça na cara do meu cunhado. Os quatro estão presos e ficarão detidos até o julgamento. Já me perguntaram de indenização, mas para mim falar disso é anormal. Quanto vale uma vida, um filho?
6 – E agora? A família toda vai no psicólogo. Eles fizeram isso na frente de uma criança de 13 anos (o irmão de Alexandre). Eu preciso ser forte para cuidar dos meus dois filhos e para conseguir uma vitória: que haja menos mortes de jovens. Além do meu filho, vou perder uma filha, que é minha nora. Ela tem 22 anos, é nova, tem mesmo que arrumar outro. Vai ir embora, mas a casa fica aberta. Vai chegar a copa e não tem o Alexandre. Ele fazia churrasco. Cada data é difícil. Ele morreu dia 8 e foi enterrado dia 9, Dia das Mães. Dia 12 foi aniversário do irmão, que fez 7 anos. 7 – Como vê a polícia? Até então eu queria que meus dois filhos menores, o Pedro, de 13 anos, e o Lucas, de
7, fossem policiais. Sempre que a gente escuta essa violência, não acredita porque não está perto. Parece que não é verdade. Até então eu achava que era exagero, que a vítima tinha procurado, tirado um policial do sério, ou tentado matá-lo. Na hora eu queria ter ligado para a polícia, mas era a polícia que estava fazendo aquilo com meu filho. É irreal. Não sou contra policial, mas precisamos de uma reforma. É preciso preparo psicológico para não matar as pessoas. É preciso valorizar a carreira, tornar mais difícil ingressar na polícia. Muitos entram não para defender a população, mas só por um salário garantido.
8 – No primeiro trimestre de 2010, em relação ao de 2009, houve um aumento de 40% das mortes registradas como “resistência seguida de morte” envolvendo policiais. Como vê isso? Se eu não tivesse visto, teriam registrado a morte do meu filho assim. Agradeço ao Senhor por me permitir ter visto. Teriam forjado mais coisa, falado que ele roubou. Ele teria sido enterrado como bandido. Graças a Deus não estou ouvindo isso.
9 – Se ele vivesse em um bairro rico, acha que teria sido morto? Ele estaria vivo, com certeza. Isso acontece com quem é negro e pobre. Se ele morasse nos Jardins (bairro rico de São Paulo), a repercussão seria dobrada. O preconceito é demais. Um branquinho com nariz sujo está gripado. Um pretinho é porco, sujo. Entrei em contato com pessoas de movimentos negros. Uma mãe me disse que lutou por 3 anos para provar que o filho não era bandido. Espero que eu seja a última mãe a passar por isso na mão de policiais. Que seja a última violência.
10 – Como assim? Vou lutar até o fim para que se faça uma polícia melhor. Sem polícia não dá para ficar, a gente sabe. Mas polícia é polícia, bandido é bandido. Não pode nem se misturar, nem se igualar. Vou conversar com as pessoas, são sementinhas que a gente tem que plantar. Falo com a imprensa para parar com a violência e pela memória do meu filho. Não poderia ficar em silêncio.

Um comentário:

  1. Posso imaginar a dor dessa mãe!! gerar ,criar um filho com todo o amor, perder noites de sono,e depois ver essa barbaridade, feita por quem era para nós proteger, hoje temos mais medo da polícia? ou dos bandidos? que Deus tenha piedade de nós pois e daqui pra pior!!!!!

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