terça-feira, 20 de abril de 2010

Mentes assassinas


Guido Palomba - Mentes assassinas
Clarisse Werneck redacao@folhauniversal.com.br Com mais de 30 anos de experiência em psiquiatria forense, Guido Palomba, autor de mais de 10 mil laudos psiquiátricos sobre criminosos, é uma referência no assunto. Ele já atuou em quase todas as 600 comarcas do Estado de São Paulo, tanto na Vara Criminal quanto na Cível, além de ter feito perícia para outros estados. É autor do Tratado de Psiquiatria Forense, Civil e Penal (Atheneu, 2003), o primeiro em língua portuguesa e um dos poucos livros publicados no mundo sobre o assunto.
1 – O que é a psiquiatria forense? É a aplicação de conhecimentos psiquiátricos na área judiciária cível e penal. Na área cível, nossos laudos podem ser solicitados em processos de anulação de testamento, guarda de menor, interdição, etc. Na penal, avaliamos o réu para atestar ou não inimputabilidade, dependência química, periculosidade, entre outros temas.
2 – O senhor diz que a formação que os psiquiatras forenses estão recebendo hoje é ineficiente. Por quê? Existe um marketing para vender remédios psiquiátricos que compromete a própria psiquiatria. Soma-se a isso a falta de centros de formação na área forense. Existe um abismo muito grande entre a área clínica e a penal e hoje temos psiquiatras clínicos fazendo laudos sobre bandidos perigosos. No interior, então, a situação é caótica, há uma improvisação de peritos.
3 – E qual deveria ser a formação do psiquiatra forense? Além de fazer uma faculdade de Medicina e se especializar em psiquiatria, deveria cumprir um estágio de no mínimo 2 anos em um centro de psiquiatria forense, como as Casas de Custódia (antigos manicômios judiciários), no setor de perícias.
4 – De acordo com suas palavras, com psiquiatras clínicos atuando na área penal, os erros na conexão da parte médica com a jurídica são inevitáveis. O senhor pode dar exemplos? O caso do pedreiro Admar de Jesus, de Luziânia (GO), é um exemplo. Ele recebeu laudo psiquiátrico dizendo que não apresentava doença mental, teve direito à progressão da pena e tão logo saiu da cadeia matou seis adolescentes. Outro caso parecido foi o do “Maníaco da Cantareira” (Ademir Oliveira do Rosário). Ele recebeu autorização da Justiça, com base nos laudos, para passar os finais de semana fora do hospital psiquiátrico de Franco da Rocha (SP), onde estava internado. Nesse período matou dois adolescentes (os irmãos Josenildo e Francisco de Oliveira, de 13 e 15 anos) e abusou sexualmente de outras pessoas.
5 – O senhor não acha que, nesses casos, os peritos deveriam ser afastados? Acho que eles teriam que responder até criminalmente. Se isso acontecesse, seriam mais cautelosos ao emitir as suas opiniões.
6 – E os juízes, onde fica a responsabilidade deles? Se o criminoso é doente mental, os juízes e a sociedade em geral acham que mandá-lo para a Casa de Custódia é privilegiá-lo, mas não é. Se ele é perigoso, não pode voltar para a sociedade, mas o mandam para a cadeia, ele convive com presos comuns e depois de alguns anos sai em liberdade condicional. Na Casa de Custódia a condenação inicial é de 3 anos, mas ele pode ficar a vida inteira, pois para sair será necessário um laudo atestando sua capacidade de viver em sociedade. Se os laudos forem sempre contrários, ele nunca sairá.
7 – Também acontecem erros nos laudos psiquiátricos dos processos civis? Sim, em casos de separação e guarda de filhos os casais costumam se denunciar mutuamente por maus-tratos, pedofilia. Também há casos em que os herdeiros querem contestar um testamento e pode ser expedido um laudo dizendo que a pessoa que morreu não estava de posse das suas faculdades mentais. É preciso um profissional experiente para não se deixar levar por denúncias falsas.
8 – A Justiça parte do pressuposto de que todos os presos são recuperáveis, mas, como o senhor diz, isso pode não ser verdade. O Ministério Público tende a condenar à prisão. Acha que o melhor é um número elevado, 120 anos de cadeia, como foi a condenação inicial do “Atirador do Shopping” (Matheus da Costa Meira, que em 1999 metralhou pessoas durante uma sessão de cinema no Shopping Morumbi, em São Paulo, matando três). Mas de que adianta se ele vai cumprir 8 anos e sair em regime semiaberto? Se ele estivesse na Casa de Custódia não sairia de lá.
9 – O senhor acha que o Código Penal deve ser mudado? O nosso Código Penal é bom, mas a Lei de Execução Penal é agressiva contra a sociedade. O juiz condena a 30 anos, mas se o criminoso cumprir dois quintos da pena (12 anos) tem direito a ir para a rua. Onde está a moral da lei: fala em 30 e fica por 12?
10 – No processo contra Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni (condenados pelo assassinato da menina Isabella Nardoni, morta aos 5 anos em 2008) não foi solicitada uma avaliação psiquiátrica dos réus, sendo que daqui a 11 e 13 anos, respectivamente, eles terão a possibilidade de cumprir a pena em regime semiaberto. Eles podem ser perigosos para a sociedade? Sim, é possível. Existe suspeita de insanidade mental de ambos. O próprio promotor alegou que Anna Jatobá é desequilibrada. Esse é um outro problema: às vezes uma avaliação psiquiátrica do réu se faz necessária mas não é solicitada.

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