segunda-feira, 1 de abril de 2013

Vigiados


Com câmeras de segurança espalhadas por todos os lados e o acesso a contas reais e virtuais cada vez mais digitalizado, nossa privacidade tem ido para o espaço


Ninguém passa imune a câmeras de vídeo, burocracias de acesso, registros de compras ou rastros de comunicação. Basta analisar atentamente o dia a dia para perceber que seus passos são monitorados na rua, no carro, no prédio comercial e na internet. Não, você não está sob investigação e sua vida não está sendo vasculhada. Embora imagens e dados digam quase tudo sobre nós, não existe, pelo menos oficialmente, uma central que concentre todas estas informações.

Com dados das câmeras e da geografia de São Paulo, a reportagem imaginou que poderia calcular a chance de uma pessoa ser filmada pelo menos uma vez ao dia na maior cidade do País. A resposta de Tristão Garcia, matemático e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi curta e grossa: 100%. Mesmo as pessoas de regiões afastadas, desde que se desloquem, acabam filmadas. “Não preciso nem fazer conta, é uma questão de lógica.”

A malha de câmeras paulistanas não é um instrumento de invasão de privacidade. “Os policiais as utilizam não para assistir o cotidiano do cidadão, mas sim para protegê-lo”, avisa a Polícia Militar, um dos órgãos que faz uso do recurso.

Nicolas Hilário, de 20 anos, aprova uma das câmeras, instalada no bairro de Higienópolis, na região oeste da capital paulista. “Ajuda muito, intimidade vou ter em outro lugar”, brinca o auxiliar administrativo. Iara do Amaral, de 22 anos, fica em dúvida. “Sinceramente, não acredito que vai mudar alguma coisa, deixar de ter crimes ou acidentes. Não queria precisar dessas câmeras”, lamenta a estudante.

Para o Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo (Sesvesp), as câmeras são essenciais. “Hoje em dia, apenas 3% dos marginais pulam muro, preferem porta de entrada e garagem”, atesta José Antonio Caetano, diretor da empresa de serviços de segurança Haganá.

João Palhuca, vice-presidente do Sesvesp, defende ainda a burocracia de acesso, ao solicitar documentos de identidade na portaria de edifícios. “É o mínimo que se pode fazer para coibir e inibir a entrada de assaltantes”, assegura. “Não impede o crime, mas auxilia a futura investigação da segurança pública com o que já armazenamos”, diz, referindo-se às informações guardadas por um determinado período (leia mais nas iamgens espalhadas pela página).

Outros dois setores são obrigados, por lei, a guardar os registros dos clientes pelos últimos 5 anos. Sem contrariar a Constituição Federal de 1988, que avisa ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”, as empresas de telefone fixo e de celular gravam os detalhes de cada chamada feita por seus clientes.

O acesso ao conteúdo das conversas, no entanto, só ocorre mediante pedido judicial (Resolução 426, de 9 de dezembro de 2005, do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado). O que não impede as empresas de, com um programa de computador, prever comportamentos de clientes, por exemplo, com indícios de cancelamento de linha.


“Aí a empresa liga ou manda uma oferta para te atrair. Você não sabe o porquê do contato, mas eles sabem”, explica Eduardo Levy, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil).

Os cartões de crédito seguem a mesma linha: sabem estabelecimento, local, data e hora da compra, além de pagamento e valor. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), sem compartilhar quaisquer desses detalhes, respeitando-se o sigilo bancário.

O economista Ladislau Dowbor, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro, da PUC-SP, contudo, lembra de uma vez em que comprou uma comida tipicamente judaica em um mercado e, em seguida, recebeu no e-mail ofertas de viagem para Israel. “(As empresas) nunca vão dizer, confessar que, apesar de afirmar o contrário, vendem essas informações”, diz.

No mundo virtual, sem regulamentação específica, o conteúdo acaba ainda mais escancarado. A exposição de dados pessoais em redes sociais, blogs e comentários, e a adesão, quase sem opção, aos termos de serviço e às políticas de privacidade ao criar contas ou fazer compras na internet, facilitam o acesso a esses dados. “Se você tem um e-mail num servidor, digamos, ‘público’, como o Google, estão livres para olhar e compartilhar seu conteúdo. Podem até falar que não têm acesso a alguns dados, mas têm. Quem trabalha com isso sabe”, constata Thiago Lahr, especialista em segurança da informação.

No Facebook não muda muito. Produzem-se relatórios automáticos de tudo que é clicado em cada perfil de usuário. “Não há o que fazer. Tudo o que você publica alguém está gravando”, alerta Lahr.


Na avaliação de Dayane Fanti, advogada especialista em novas tecnologias, não seria tão grave se os acordos fossem melhor esclarecidos, com textos mais extensos, detalhados e um quadro de resumo. “E deveriam existir duas opções: gratuito (você aceita fornecer seus dados) e pago (você fica livre de qualquer coleta de dados)”, sugere. O problema, ressalta a advogada, é que as pessoas se acostumaram à internet como algo livre, grátis. “E nunca foi assim, existe uma contrapartida.”

E é justamente a contrapartida o que mais incomoda quem se preocupa com as questões de respeito à privacidade e livre circulação de ideias, algo que sutil e silenciosamente pode estar em perigo. “Não é nada justo (o acordo de Google e Facebook com usuários), é escravidão”, analisa John McCarthy, fundador do Anarchadia, que teve o perfil apagado na rede social, mas segue denunciando supostos mecanismos de controle do governo americano. “Para mim, isso significa sobrevivência. Você acha que Davi queria lutar contra Golias?”, compara McCarthy.

Afinal, a luta do americano é contra gigantes que, em cooperação, controlam o projeto Echelon: Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Com ao menos 11 estações terrestres, espalhadas pelos quatro continentes, segundo relatório de 2001 da União Europeia, conseguem monitorar todo o globo.

“Por satélite, cabos de fibra ótica e ondas eletromagnéticas interceptam conteúdos de palavras-chave predeterminadas ou de assuntos específicos”, afirma o jornalista neozelandês Nicky Hager, em “Secret Power, New Zealand’s Role in the International Spy Network” (Poder Secreto, o Papel da Nova Zelândia na Rede de Espionagem Internacional). Aparentemente, o conteúdo interceptado é usado para fins comerciais e militares, mas, nas palavras do economista Dowbor, não deixam de “varrer todas as nossas informações”.


“O Echelon tem sido usado desde 2004 como arma de guerra para filtrar informações e evitar que se tornem virais. É algo colocado por baixo do tapete pelos governos, porque é altamente ilegal no contexto das leis internacionais e dos direitos humanos universais de liberdade de expressão”, acusa McCarthy. “Nos tornamos transparentes”, diz Dowbor.

A questão, como o próprio economista aponta, é que nessa gigantesca massa de informações, vulnerável, os mais diversos e dispersos grupos –governamentais, empresariais e criminosos – se organizam para aproveitar esse universo. E, comparativamente, a proteção da privacidade das pessoas – e as leis relacionadas a isso – ainda engatinham.

No livro “1984”, escrito em 1949 por George Orwell, o personagem Winston Smith, altamente vigiado, como todos na sociedade ali retratada, pensa, no desespero de sua condição, que, “naturalmente, não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não”, e “era concebível, mesmo, que (o Grande Irmão) observasse todo mundo ao mesmo tempo”. Chegamos lá?

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