segunda-feira, 4 de junho de 2012

Eu tenho medo de gente

Quem tem fobia social sofre calado e não consegue realizar atividades normais, como falar e comer em público. Doença é incapacitante e pode levar ao alcoolismo e à depressão


Ricardo é policial civil, mas sempre sonhou em cursar Direito. Incentivado por amigos, prestou vestibular e passou. Logo nos primeiros 20 dias de curso deparou-se com uma situação que, apesar de simples para a maioria, lhe faz muito mal. "Formem grupos de quatro pessoas, estudem o conteúdo do livro e depois apresentem. Considerando que isso será frequente na vida profissional de vocês, é bom irem se acostumando a falarem em público", disse o professor. Ricardo paralisou-se. Só de imaginar a situação ele suava frio, passava mal e sentia a úlcera incomodar. Apavorado com a ideia de apresentar o trabalho, desistiu do curso e trancou a faculdade. "O simples fato de ter que fazer uma breve explicação para algumas pessoas me tira o sono. Não consigo pensar em outra coisa e sinto um verdadeiro pavor", conta.


Ricardo sofre de Transtorno de Ansiedade Social (TAS), popularmente conhecido como fobia social. A médica Maria Cecilia Freitas, psiquiatra e doutora em saúde mental pela Universidade de São Paulo (USP) explica que a doença se caracteriza pelo medo persistente de agir de forma inadequada em certas situações sociais. "Há medo do embaraço ou de uma avaliação negativa por parte das pessoas em uma interação social ou de desempenho em público, como falar", diz. A doença vai muito além de uma timidez comum e causa prejuízos significativos na vida dos doentes. O psiquiatra Aderbal de Castro Vieira Júnior, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que a fobia social é uma timidez patológica. "A diferença é basicamente quantitativa. A pessoa que sofre de fobia social se limita muito, sofre muito nesse tipo de situação. Já o tímido pode não gostar, prefere não ser exposto, mas quando se depara com uma situação assim consegue encarar", diz. Segundo ele, em casos mais graves, o fóbico social evita até estar em grupos pequenos, entre amigos íntimos.




Um estudo realizado anualmente nos Estados Unidos, conhecido como National Comorbity Survey Replication (NCS-R, ou "Pesquisa Nacional de Comorbidades"), mostrou, em sua última edição, que pelo menos 6,8% dos participantes têm fobia social. Sendo que 68,7% dos casos foram considerados de gravidade moderada e alta pela equipe de pesquisadores. No Brasil, Maria Cecília participou de um grupo de pesquisa na USP de Ribeirão Preto que analisou o comportamento de 62 voluntários. Entre os participantes havia pacientes com fobia social; pessoas com sintomas, mas que não evitam situações sociais e pessoas saudáveis.


"Nosso grupo encontrou uma prevalência da doença de 11,6% em estudantes universitários. Apesar do alto índice, dos prejuízos e da gravidade dos casos, o transtorno de ansiedade social tem sido relativamente negligenciado, se comparado com outros transtornos psiquiátricos", diz Maria Cecília.




Há dois tipos de fobia social: o generalizado e o específico. Segundo a psiquiatra, o generalizado é caracterizado por medo dominante e persistente na maioria das situações sociais. É a forma mais incapacitante da doença. Já o específico é definido pelo medo em certas situações. Os temores mais comuns entre pessoas que sofrem de TAS são falar em público, comer e beber na frente de outras pessoas e usar o banheiro público (veja quadro acima). Quando colocadas em situações como estas, o fóbico social tem sintomas físicos que vão desde voz trêmula até náuseas, tontura, suor e sensação de desmaio. "A pessoa sente uma ansiedade tão grande que tem uma queda brusca de desempenho, o que prejudica a vida pessoal e profissional", diz o psiquiatra da Unifesp. A contadora Flávia, de 32 anos, sofre desse mal desde os 20. "Não consigo assinar nenhum documento na frente de outras pessoas. Fico tão tensa que minha mão fica dura e travo", diz. Por conta da doença, já teve vários cheques devolvidos, pois a assinatura não confere.


Muitas vezes, o fóbico social esconde da própria família que sofre da doença. Isto, segundo os médicos, faz parte da própria natureza do transtorno. É comum que familiares e amigos dos fóbicos sociais considerem o comportamento dos pacientes como "exagerado", como se a pessoa não mudasse simplesmente porque não quer. A sugestão de buscar terapia é feita de forma debochada, em tom de desprezo. Isso leva o doente a não buscar tratamento.


"Na época dos cartões de crédito sem chip, sofria muito quando ia ao mercado com o meu marido e tinha que assinar o comprovante. Escondo o problema dele porque tenho vergonha e porque acredito que ele ia achar besteira", conta Flávia. Com o policial civil Ricardo, a situação é semelhante. "Eu disfarço ou tento disfarçar, mas não comento do problema com ninguém. Sou casado há 10 anos e tenho um filho de 6. Nem mesmo minha mulher sabe desse sofrimento. Sofro calado", relata o policial.




Assim como outras doenças psiquiátricas, não se sabe ao certo o motivo pelo qual a fobia social aparece. "Existem tendências genéticas e influências na interação do indivíduo com o ambiente desde a infância. Na maior parte das vezes, as manifestações se iniciam na adolescência e persistem pela vida adulta quando não tratado", diz Maria Cecília. O psiquiatra Aderbal de Castro Vieira Júnior pondera quanto à possibilidade de identificar e diagnosticar a doença entre crianças: "A gente evita fazer diagnósticos em crianças porque ela está em formação. Pode ser que nesse momento ela tenha dificuldade, mas que depois se resolva. Apesar disso, em grande parte dos que sofrem da doença, encontramos sinais desde a infância".


Há casos em que a doença pode ser curada, mas em outros acontece só uma melhora dos sintomas. "Casos leves podem ser tratados somente com psicoterapia, com a melhora da autoestima, o treinamento de habilidades sociais e o enfrentamento das situações aversivas. O que gera uma redução gradativa da ansiedade", diz Maria Cecília. "Já os casos em que há muitos prejuízos na vida merecem a associação da psicoterapia com medicações que reduzem a ansiedade (antidepressivos e ansiolíticos)", completa. Caso a doença não seja tratada, o paciente tem cada vez menos qualidade de vida e tende a se isolar. O risco de adquirir outros problemas associados à solidão, como depressão e alcoolismo, é enorme.

Um comentário:

  1. Quando a pessoa tem um encontro com Jesus, mesmo na multidão ela sente paz, pois não importa o lugar, mais sim, como está o interior da pessoa.

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