Futuro na lona
Crianças e adolescentes trocam socos, formam gangues e consomem álcool e outras drogas sem limites. O que está acontecendo com a juventude? Brigas constantes, formação de gangues e consumo frequente de álcool e drogas fazem parte da rotina de crianças e adolescentes em todo o País. O fenômeno que assola parte da juventude brasileira é visto com preocupação por educadores e psicólogos e tem sido estudado com atenção. É difícil quantificar os diversos aspectos e sinais desta crise de valores, mas algumas pesquisas acadêmicas recentes servem de indicativo de como parte de toda uma geração vive sem rumo. A violência talvez seja um dos aspectos mais impressionantes. Na semana passada o pesquisador Rodrigo Torquato da Silva, que além de professor é morador da Rocinha, uma das maiores comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil, apresentou em uma defesa de doutorado novas reflexões sobre como o uso da força nas disputas pelo controle dos morros cariocas afeta a educação das crianças. “As comunidades têm as regras do Estado. As pessoas cumprem horários e 99,9% são trabalhadores, mas paralelo a isso têm a ameaça de outro tipo de sociabilidade, que é aquela imposta por um grupo ínfimo que consegue se impor através da força”, diz. “Nesses territórios regulados pela força, o filho nasce e, desde pequeno, é ensinado que a violência é parte de um contexto. Isso cria uma confusão na cabeça da criança”, afirma. Como professor, ele já vivenciou a situação de ter alunos ligados ao tráfico de drogas. “Como não tem garantia do Estado, a escola acaba fingindo que nada está acontecendo. Mas as demais crianças acabam reconhecendo o posicionamento deste estudante fora da escola. O aluno passa a conviver com a lógica da escola e, ao mesmo tempo, com a lógica do medo e do comando de espaços. Esse controle é um processo de educação, transmite regras e valores”, completa. Para Torquato da Silva, esta é a chave para compreender como os confrontos físicos e o consumo excessivo de álcool e drogas se espalham com tanta facilidade entre os garotos. “Os limites não são dados mais entre os adultos, que têm o papel fragilizado. Eles criam fronteiras nas quais a gente não penetra. Se um adulto falar de embriaguez, os adolescentes vão rir da cara dele. Se falar que não precisa ter medo de grupos rivais, que pode frequentar os espaços porque existe segurança, o adolescente não vai”, afirma. O problema está longe de se limitar a comunidades carentes do Rio de Janeiro. Em Jundiaí, no interior de São Paulo, por exemplo, a lógica de controle de espaços tem feito com que pré-adolescentes evitem circular em shoppings e centros comerciais “controlados” por gangues conhecidas como “famílias”, formadas por meninos e meninas que fazem pequenos assaltos e agridem quem não é da turma. “Não adianta falar nada. Eu não vou mais no shopping porque eles estão lá”, diz uma garota de 14 anos que costumava passear nos corredores com amigas. Nem a presença de seguranças do estabelecimento a tranquiliza. Os garotos e garotas podem ser realmente violentos, mesmo com pouca idade.Em Florianópolis (SC), há cerca de 1 mês, cenas de lutas entre garotos de até 11 anos foram colocadas na internet. Em ringues improvisados, os meninos eram incentivados por adolescentes de até 17 anos a trocarem socos até sangrar. Cada rival era orientado a bater até não aguentar mais e, então, desistir assumindo para uma câmera o fracasso. A derrota vinha acompanhada de humilhações e era disponibilizada na rede. Após virarem notícia em canais de televisão e jornais, os combates foram interrompidos. Hoje, porém, na página do grupo há a promessa de que, muito em breve, eles serão retomados. Alcoolismo juvenil Entre as regras próprias criadas por adolescentes está o consumo de álcool e drogas. Estudos recentes mostram que a situação nesta área é preocupante, em especial na questão do consumo de bebidas. No começo do mês, o Centro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), composto por doutores e mestres da Universidade Federal de São Paulo, divulgou um estudo que indica que o consumo é bastante comum entre os alunos do Ensino Médio. E não se trata de tomar uma cerveja no bar com os amigos eventualmente. Os jovens têm bebido muito. Um terço dos 5.226 estudantes ouvidos pelos pesquisadores declarou ter se embriagado com cinco ou mais doses de álcool ao menos uma vez no mês anterior; 5,4% das meninas e 7,3% dos garotos disseram fazer isso de três a cinco vezes por mês. Foram colhidos depoimentos de adolescentes de 15 a 18 anos de 37 escolas privadas de São Paulo. No final do ano, o Cebrid pretende apresentar um levantamento nacional, com escolas públicas e privadas, que deve fornecer um retrato mais amplo. “A primeira coisa que a gente percebe é que o consumo de álcool começa em casa, através de familiares. Muitas vezes essa embriaguez está associada a uma embriaguez do pai e à aceitação social do consumo do álcool. A família tem um papel muito forte na educação do adolescente”, explica a doutora em psicobiologia do Cebrid, Zila van der Meer Sanchez, uma das responsáveis pelos dados. “Além disso, tem sim a lógica do grupo. O adolescente quer pertencer a uma turma. É uma fase de definição, de se desvincular dos pais”, relata. Além de se basear no controle de espaços e formação de grupos dominantes pelo uso da força, o consumo de álcool em excesso também alimenta a violência, pois quem exagera na bebida pode ficar mais agressivo. Para a especialista do Cebrid, que além de estudar o consumo de álcool em excesso entre os jovens também escreveu uma tese de doutorado sobre a importância de práticas religiosas na recuperação de dependentes químicos, os pais precisam saber dialogar e não simplesmente impor restrições de qualquer maneira. “É preciso conversar e negociar ao impor limites. Sem oferecer alternativas de lazer, sem diálogo, sem explicar os riscos e perigos, a imposição não faz nenhum sentido para o adolescente”, afirma. “A família, a religiosidade e a informação podem ter papel importante ao se lidar com o problema”, destaca.
Crianças e adolescentes trocam socos, formam gangues e consomem álcool e outras drogas sem limites. O que está acontecendo com a juventude? Brigas constantes, formação de gangues e consumo frequente de álcool e drogas fazem parte da rotina de crianças e adolescentes em todo o País. O fenômeno que assola parte da juventude brasileira é visto com preocupação por educadores e psicólogos e tem sido estudado com atenção. É difícil quantificar os diversos aspectos e sinais desta crise de valores, mas algumas pesquisas acadêmicas recentes servem de indicativo de como parte de toda uma geração vive sem rumo. A violência talvez seja um dos aspectos mais impressionantes. Na semana passada o pesquisador Rodrigo Torquato da Silva, que além de professor é morador da Rocinha, uma das maiores comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil, apresentou em uma defesa de doutorado novas reflexões sobre como o uso da força nas disputas pelo controle dos morros cariocas afeta a educação das crianças. “As comunidades têm as regras do Estado. As pessoas cumprem horários e 99,9% são trabalhadores, mas paralelo a isso têm a ameaça de outro tipo de sociabilidade, que é aquela imposta por um grupo ínfimo que consegue se impor através da força”, diz. “Nesses territórios regulados pela força, o filho nasce e, desde pequeno, é ensinado que a violência é parte de um contexto. Isso cria uma confusão na cabeça da criança”, afirma. Como professor, ele já vivenciou a situação de ter alunos ligados ao tráfico de drogas. “Como não tem garantia do Estado, a escola acaba fingindo que nada está acontecendo. Mas as demais crianças acabam reconhecendo o posicionamento deste estudante fora da escola. O aluno passa a conviver com a lógica da escola e, ao mesmo tempo, com a lógica do medo e do comando de espaços. Esse controle é um processo de educação, transmite regras e valores”, completa. Para Torquato da Silva, esta é a chave para compreender como os confrontos físicos e o consumo excessivo de álcool e drogas se espalham com tanta facilidade entre os garotos. “Os limites não são dados mais entre os adultos, que têm o papel fragilizado. Eles criam fronteiras nas quais a gente não penetra. Se um adulto falar de embriaguez, os adolescentes vão rir da cara dele. Se falar que não precisa ter medo de grupos rivais, que pode frequentar os espaços porque existe segurança, o adolescente não vai”, afirma. O problema está longe de se limitar a comunidades carentes do Rio de Janeiro. Em Jundiaí, no interior de São Paulo, por exemplo, a lógica de controle de espaços tem feito com que pré-adolescentes evitem circular em shoppings e centros comerciais “controlados” por gangues conhecidas como “famílias”, formadas por meninos e meninas que fazem pequenos assaltos e agridem quem não é da turma. “Não adianta falar nada. Eu não vou mais no shopping porque eles estão lá”, diz uma garota de 14 anos que costumava passear nos corredores com amigas. Nem a presença de seguranças do estabelecimento a tranquiliza. Os garotos e garotas podem ser realmente violentos, mesmo com pouca idade.Em Florianópolis (SC), há cerca de 1 mês, cenas de lutas entre garotos de até 11 anos foram colocadas na internet. Em ringues improvisados, os meninos eram incentivados por adolescentes de até 17 anos a trocarem socos até sangrar. Cada rival era orientado a bater até não aguentar mais e, então, desistir assumindo para uma câmera o fracasso. A derrota vinha acompanhada de humilhações e era disponibilizada na rede. Após virarem notícia em canais de televisão e jornais, os combates foram interrompidos. Hoje, porém, na página do grupo há a promessa de que, muito em breve, eles serão retomados. Alcoolismo juvenil Entre as regras próprias criadas por adolescentes está o consumo de álcool e drogas. Estudos recentes mostram que a situação nesta área é preocupante, em especial na questão do consumo de bebidas. No começo do mês, o Centro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), composto por doutores e mestres da Universidade Federal de São Paulo, divulgou um estudo que indica que o consumo é bastante comum entre os alunos do Ensino Médio. E não se trata de tomar uma cerveja no bar com os amigos eventualmente. Os jovens têm bebido muito. Um terço dos 5.226 estudantes ouvidos pelos pesquisadores declarou ter se embriagado com cinco ou mais doses de álcool ao menos uma vez no mês anterior; 5,4% das meninas e 7,3% dos garotos disseram fazer isso de três a cinco vezes por mês. Foram colhidos depoimentos de adolescentes de 15 a 18 anos de 37 escolas privadas de São Paulo. No final do ano, o Cebrid pretende apresentar um levantamento nacional, com escolas públicas e privadas, que deve fornecer um retrato mais amplo. “A primeira coisa que a gente percebe é que o consumo de álcool começa em casa, através de familiares. Muitas vezes essa embriaguez está associada a uma embriaguez do pai e à aceitação social do consumo do álcool. A família tem um papel muito forte na educação do adolescente”, explica a doutora em psicobiologia do Cebrid, Zila van der Meer Sanchez, uma das responsáveis pelos dados. “Além disso, tem sim a lógica do grupo. O adolescente quer pertencer a uma turma. É uma fase de definição, de se desvincular dos pais”, relata. Além de se basear no controle de espaços e formação de grupos dominantes pelo uso da força, o consumo de álcool em excesso também alimenta a violência, pois quem exagera na bebida pode ficar mais agressivo. Para a especialista do Cebrid, que além de estudar o consumo de álcool em excesso entre os jovens também escreveu uma tese de doutorado sobre a importância de práticas religiosas na recuperação de dependentes químicos, os pais precisam saber dialogar e não simplesmente impor restrições de qualquer maneira. “É preciso conversar e negociar ao impor limites. Sem oferecer alternativas de lazer, sem diálogo, sem explicar os riscos e perigos, a imposição não faz nenhum sentido para o adolescente”, afirma. “A família, a religiosidade e a informação podem ter papel importante ao se lidar com o problema”, destaca.
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