sábado, 24 de outubro de 2009

Tive 20 anos roubados


“Tive 20 anos roubados”
A. teve os últimos 20 anos de sua vida roubados pela dependência química. A diferença da maioria das histórias é que o vício veio em uma receita médica. Por causa da depressão, procurou um psiquiatra respeitado, almejando “qualidade de vida”, termo que utiliza várias vezes durante a conversa que aconteceu em uma sala pequena de uma clínica para tratamento de dependentes, localizada no interior de São Paulo. Estava, então, no começo da vida, estudando odontologia, planejando uma carreira, quando foi apresentado ao psicoestimulante de nome Survector, hoje fora de circulação no Brasil. “O psiquiatra disse que eu tinha um déficit de dopamina e me receitou esse medicamento. Eu senti a melhora imediata”, lembra A., hoje com 43 anos de idade: “Aí, percebi que com um comprimido a mais me sentia ainda mais estimulado. E o remédio era vendido sem receita, na época. Em pouco tempo, eu estava tomando uma caixa de Survector por dia.” Quando se deu conta de que havia algo estranho, foi pesquisar sobre o remédio na internet e descobriu que não era o único adicto: “Comecei a questionar por que um antidepressivo era vendido sem receita e sem aviso sobre os riscos de dependência. Mas era tarde. Havia passado 10 anos e eu já estava dependente daquilo”, conta. A. diz que chegou a manter correspondência com a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), inclusive mandando suas pesquisas sobre o remédio, até que, por volta do ano 2000, o Survector foi tarjado e logo depois tirado do mercado. “Eu fiquei desesperado. Minha vida foi atrapalhada, tive todo esse tempo roubado”, protesta. Facilmente, A. conseguiu que outro psiquiatra substituísse a medicação. Desta vez, pela Ritalina, usada para tratar déficit de atenção e narcolepsia (distúrbio caracterizado por episódios súbitos e incontroláveis de sonolência durante o dia). “Eu já era dependente químico. Não tinha mais paciência para tratar a depressão, então, abusei da Ritalina também. Como era controlada, eu ia a outros médicos e os convencia de que precisava do remédio. Também descobri as farmácias que vendiam sem receita e comprava sempre nelas”, assume. Após algumas internações sem sucesso, a família de A. tentou mais uma vez. Levaram-no dizendo que iria fazer um exame e o deixaram para se desintoxicar. “Foi estúpido tudo isso, né? Eu moro com meus pais até hoje. Na verdade, só com a minha mãe, que me sustenta, porque meu pai morreu durante uma internação minha”, lamenta. “Agora, tenho que reconquistar meu espaço. E acho bom que seja esclarecido, porque outras pessoas podem estar passando por isso e não é culpa delas. Não quero me eximir de culpa, mas eu fui uma vítima.”

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