sábado, 21 de agosto de 2010
A culpa não é delas
Por Andrea Dip
andrea.dip@folhauniversal.com.br
Alvo de violência frequente, principalmente sexual, mulheres são ainda acusadas de provocar seus agressores e colocadas como culpadas, ao invés de vítimas de terríveis abusos
Os casos de violência sexual e doméstica contra as mulheres se avolumam no Brasil. E pior: em muitos deles, tenta-se justificar agressões e abusos com base no passado e no comportamento das vítmas.
As mulheres passam a ser culpadas do próprio sofrimento e morte, como se isso fosse possível.
Esta escalada de agressões tem hoje como imagem mais forte, além da brasileira Eliza Samudio, a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, de 43 anos, condenada a ser apedrejada até a morte por uma suposta acusação, sem provas, de cometer adultério com dois homens. É mais um caso em que a mulher é penalizada em julgamentos equivocados e movidos por princípios ancestrais.
O episódio remete a uma famosa passagem do Novo Testamento em que Jesus Cristo absolve uma mulher adúltera de ser morta por apedrejamento. O Evangelho de João narra que escribas e fariseus levaram a mulher até Jesus e perguntaram se ela deveria ser apedrejada, depois de flagrada em traição.
Ele respondeu: “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.” A mulher foi salva.
No Irã, Sakineh e outras mulheres esperam sentenças como a daquela salva por Jesus. Lá, o adultério é considerado crime grave e desde 2006 sete mulheres morreram por apedrejamento. Os homens são enterrados até a cintura e as mulheres até a altura do peito.
As pedras devem ser pequenas o bastante para não matar de uma vez. Como os homens ficam com os braços livres, podem se defender, e se não morrerem são libertados – diferente das mulheres, que não podem proteger o rosto. Sakineh Mohammadi Ashtiani já recebeu 99 chicotadas e espera a pena capital presa com outras 25 mulheres.
Países como França, Grã-Bretanha e Estados Unidos criticam a decisão iraniana e um abaixo-assinado com mais de 540 mil assinaturas circula na internet.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a oferecer asilo político no Brasil para a iraniana, mas o porta-voz do Ministério do Exterior do Irã Ramin Mehmanparast ironizou-o. Disse que o presidente Lula tem uma personalidade “emotiva”.
Na segunda-feira (9), o governo iraniano indicava que Sakineh seria enforcada e não apedrejada. A nova decisão se deve ao fato de que a mulher foi agora condenada por assassinato.
No Brasil, o que se vê hoje são mulheres vítimas de agressões sexuais apresentadas como culpadas, como se tivessem “provocado” a violência. Veja o depoimento anônimo de uma vítima de abuso num site de ajuda psicológica a essas mulheres. “Fui violentada pelo meu tio quando tinha 8 anos. Revelei à minha mãe aos 14.
A reação foi a pior possível: ela contou para a esposa dele, que pediu silêncio, pois com calma resolveríamos isso. (...) Em um domingo pedi a ‘benção’ aos meus tios e ninguém respondeu. Entrei em casa chorando. Minha mãe me chamou e contou que a esposa do meu agressor disse à todos que eu seduzi o marido dela. Eu me pergunto: como uma criança de 8 anos pode seduzir um homem de 30? Faz três anos que contei e ele continua morando ao lado da minha casa. Me sinto tão suja, sinto nojo de mim mesma. A única coisa que me conforta é saber que se a justiça do homem não for feita, a de Deus será.”O depoimento se soma a uma lista de centenas de meninas e mulheres que pedem socorro e demonstram sentimentos de raiva e indignação, por serem tratadas como culpadas mesmo depois de vítimas de agressões sexuais. Elas carregam o peso de terem “provocado” a irracionalidade de seus algozes.
No Brasil, a sociedade e as autoridades usam de meios sutis de agressão psicológica às mulheres vitimizadas pela violência. Segundo a psicóloga especialista em violência doméstica Martha Narvaz, essa culpa é mais comum do que se imagina: “As mulheres sentem o peso da descrença por parte da própria familia e amigos.
Durante dez anos eu vi pais dizendo que era fantasia da menina, ou até mesmo que as crianças tinham seduzido o pai, o tio ou o avô. Com mulheres adultas, é ainda pior”, lembra. O machismo institucionalizado pode ser visto no “Caso Bruno”.
Um dos argumentos da defesa foi o de que Eliza Samúdio era garota de programa e atriz de filmes pornográficos.
À rádio “CBN”, Ércio Quaresma Firpe, advogado de Bruno, chegou a dizer que a moça estava viva.
Questionado se acreditava que ela seria capaz de abandonar o filho, disse: “Essa moça é atriz pornô, é profissional do sexo.”
A delegada Iumara Gomes, que por quatro anos esteve à frente de uma delegacia da mulher na Paraíba, conta que já viu muitos casos assim. “Mulheres que tinham medo de denunciar porque iriam sofrer a discriminação da família, perder o filho e a pensão alimentícia.”
Uma pesquisa divulgada pelo
Instituto Sangari apontou que dez mulheres morrem assassinadas por dia no Brasil. Entre 1997 e 2007, 41.532 foram assassinadas. Um índice de 4,2 mortes a cada 100 mil habitantes. Martha Narvaz diz que a mulher que resolve denunciar seu agressor tem de enfrentar constrangimentos.
“Para começar tem que responder perguntas como, ‘Que roupa você estava usando?’, ‘O que você estava fazendo naquela rua perigosa?’ Mas a maioria dos estupros acontece bem cedo, perto de pontos de ônibus, na ida ao trabalho”.Nem os holofotes intimidam.
O ator americano Mel Gibson é acusado de violência doméstica por Oksana Grigorieva, sua ex-mulher e mãe de sua filha Lucia, de 8 meses. Oksana divulgou fitas em que ele a ofende, ameaça queimar a casa e matá-la, confessa ter batido nela enquanto ela segurava a filha e ainda diz que o modo com que ela se veste a faz parecer “uma porca no cio”.
Sonia Rovinski, psicóloga no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acredita que essa situação só mudará quando o assunto for discutido nas escolas, comunidades e igrejas. “Isso precisa ser rompido.
Se a criança vir o pai batendo na mãe, vai entender que isso é o normal e que, se não fizer o mesmo, não será macho o suficiente.” Em 1989, a atriz americana Jodie Foster ganhou o Oscar pela atuação no filme “Acusados”, inspirado no caso da americana Cheryl Ann Araujo, que foi estuprada por quatro homens num bar em Massachusetts, em 1983. Quando tentou punir os estupradores, ela foi acusada de provocá-los. Eles acabaram condenados e Cheryl morreu em um acidente de carro, em1986.
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