sábado, 23 de maio de 2009

FOME NO HAITI





Por Daniel Santini daniel.santini@folhauniversal.com.br Você já pensou em comer lama? No Haiti, a prática virou rotina. Para enganar a fome, homens, mulheres e crianças se acostumaram a mastigar bolachas feitas de terra, sal e manteiga. No mercado, um lote com três é vendido por 5 gourdes, a moeda local, o que dá cerca de R$ 0,25. A mistura é mais barata do que comida. De acordo com relatório divulgado em fevereiro pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), há 3,3 milhões de famintos no país, o que dá cerca de um terço da população. Segundo balanço de 2009 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 24% das crianças com menos de 5 anos estão desnutridas e 9% sofrem de desnutrição severa. Não foi de uma hora para outra que a situação deste país de pouco mais de 27 mil quilômetros quadrados, localizado em uma ilha no mar do Caribe, na América Central, chegou a ponto tão dramático. A imagem do garoto com a língua suja de terra é um retrato de como uma série de medidas desastrosas destruiu a frágil agricultura familiar local e fez com que a população mais pobre passasse a depender da exportação de alimentos para sobreviver – e, claro, ficasse sujeita a variações de preços e especulações financeiras. Direitos humanos De acordo com o estudo “O direito humano de alimentação no Haiti”, realizado pelo instituto Direitos e Democracia, uma associação independente canadense, as pequenas plantações começaram a entrar em colapso após uma série de programas de ajuste fiscal e econômico nas décadas de 1980 e 1990. Como parte de um programa neoliberal radical, as tarifas alfandegárias foram reduzidas ao máximo. Após três pacotes fiscais (em 1986, 1994 e 1996), a taxa para importação de arroz caiu de 50% para 3% e os programas de apoio à agricultura familiar foram cancelados. Concorrendo com produtores dos Estados Unidos, cuja produção é subsidiada pelo governo, os camponeses locais faliram. A medida, em um primeiro momento, permitiu que pobres comprassem arroz mais barato, mas revelou-se um fracasso quando o preço internacional do arroz disparou e não havia mais produção local suficiente para alimentar a todos. Hoje, de cada 100 famintos, 77 vivem em áreas rurais. Sem saída, muitos passaram a comer lama para sobreviver. A instabilidade política, aliás, está ligada à fome e as revoltas e protestos no país têm sido constantes, mesmo com a presença de tropas da Organização das Nações Unidas. Para amenizar a crise social, agravada por furacões e temporais no segundo semestre de 2008, o governo tem subsidiado importações de arroz, o que estabilizou o preço. Não há perspectivas, porém, de políticas de incentivo para a volta da agricultura familiar. Ao contrário. De acordo com os pesquisadores canadenses, o acesso dos camponeses à terra encontra-se ameaçado pela estratégia oficial de apoio a grandes grupos para o monocultivo de cana-de-açúcar em amplas extensões, parte de um projeto de produção de etanol com a qual o Brasil tem colaborado.Desnutrição grave O fato de muitas famílias haitianas estarem se alimentando de terra é visto como um desastre pelo médico Rogério Toledo, representante da Federação Brasileira de Gastroenterologia. “Essas bolachas só fazem mal. Terra não é nutritiva, não é digestiva, não hidrata, não tem vitaminas, não tem proteína e nem carboidrato. Sem falar nos danos para a parte dentária e para a gengiva”, explica o especialista, que alerta para o risco de proliferação de doenças graves. “Além de não fazer nenhum bem, essas bolachas podem ser fonte de contaminação pois secam ao tempo e não em fornos, passam de mão em mão e são feitas sem condições básicas de higiene.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

MACACO LADRÃO PM 1